Ultima atualização 13 de agosto

Quais são os impactos da decisão da OMS de classificar envelhecimento como doença?

Henrique Noya, diretor executivo do Instituto da Longevidade MAG, aponta os problemas que a classificação do envelhecimento como doença traz à sociedade

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem entre suas atribuições catalogar as doenças na chamada Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). O CID é um manual que tem muitas funções, entre elas, o reconhecimento público de que uma determinada condição exige tratamento médico. Periodicamente, a OMS revisita esse catálogo, e algumas doenças são incluídas; outras excluídas.

Henrique Noya, diretor executivo do Instituto da Longevidade MAG
Henrique Noya

No caso de uma exclusão do CID, o sentido da mudança é: aquela condição deixou de ser considerada como doença. Um dos maiores exemplos disso é a homossexualidade, que até a nona versão, em 1990, constava na listagem. A próxima versão da classificação, a décima-primeira, que será lançada em 2022, está gerando um debate acirrado entre as sociedades de saúde mundo afora pela razão oposta, isto é: por uma inclusão. A partir do próximo ano, o envelhecimento passará a constar no manual.

A razão alegada pela OMS para a decisão é que a inclusão serve para reconhecer que as pessoas podem morrer de velhice. Um exemplo famoso dessa aplicação foi a morte do Príncipe Philip, aos 99 anos. O atestado de óbito do esposo da rainha da Inglaterra decretou: “morte por idade avançada”. Olhando por esse ângulo, parece fazer sentido, mas há algo a mais por trás dessa decisão.

Normalmente, as alterações no CID ocorrem por sugestão (ou pressão) de entidades médicas. No caso da “doença velhice”, a origem da mudança vem de organizações como a Biogerontology Research Foundation e International Longevity Alliance. O interesse destas organizações é aumentar o acesso ao financiamento de suas pesquisas. Tradicionalmente, os recursos de fomento à busca da cura de doenças são decididos em função do volume de suas estatísticas. Em outras palavras, quanto maior o número de casos, maior a chance de haver dinheiro para pesquisas.

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Até aí, podemos considerar como uma competição própria à dinâmica científica. Se é assim, por que há tanta resistência à decisão? A questão está nos efeitos sociais. Pensemos no caso do Príncipe Philip, considerando a decisão da OMS e a idade que ele tinha ao falecer, podemos considerar que o monarca já estava “doente de velhice”? E se é assim, poderemos dizer que todos que são velhos estão doentes? Faria sentido concluir que sim.

Seguindo o raciocínio, tendo em conta a atual população de idosos brasileiros, são subitamente 33 milhões de pessoas acometidas pela nova enfermidade no país. Todo novo indivíduo que faz 60 anos (idade com a qual uma pessoa se torna idosa), passa automaticamente à condição de doente. Essas são conclusões absurdas, que podem trazer consequências indesejadas. Particularmente, chamamos a atenção para o reforço de estereótipos negativos que tornam automática a associação entre velhice e adoecimento, uma vez que nem todo idoso é doente ou incapaz. Esse pensamento, frequentemente implícito, está por trás de uma das mais cruéis formas de preconceito do nosso tempo: o etarismo.

O etarismo limita a participação ativa e produtiva das pessoas na sociedade, muitas vezes antes mesmo de a pessoa ter 60 anos, um exemplo é o mercado de trabalho que trata como “velhos” profissionais de 45 anos. Os maus-tratos psicológicos estão entre as formas mais frequentes de violência contra idosos e as empresas perdem oportunidades ao oferecer produtos e serviços inadequados às necessidades e vontades de clientes seniores. O etarismo deve ser combatido em um mundo que envelhece rapidamente, e a decisão da OMS pode justamente reforçá-lo.

Entendemos que as consequências da decisão podem gerar mais efeito negativos que positivos e é preciso se posicionar contrariamente ao tratamento do envelhecimento como doença.

* Por Henrique Noya, diretor executivo do Instituto da Longevidade MAG

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