Ultima atualização 06 de maio

Embriaguez ao volante, um prejuízo para toda sociedade

Nos contratos de seguros, a embriaguez ao volante constitui o chamado agravamento de risco. A conduta aumenta probabilidade de ocorrência do sinistro e da severidade do dano decorrente.

O motorista que conduz veículo automotor sob o efeito de bebida alcoólica pratica um ato ilícito e reconhecidamente perigoso. Nos contratos de seguros, a embriaguez ao volante constitui o chamado agravamento de risco. A conduta aumenta de forma considerável a probabilidade de ocorrência do sinistro e da severidade do dano decorrente. Portanto, é passível de exclusão da cobertura securitária, conforme o Artigo 768 do Código Civil. Esse tem sido um tema recorrente na justiça, nos processos em que se discute a responsabilidade pelo pagamento de indenizações envolvendo acidentes de trânsito.

Mesmo que não exista intenção de agravar o risco por parte do segurado, a embriaguez ao volante torna o risco previsível. Quando o próprio contrato dispõe que tal comportamento importa na exclusão da cobertura, a conduta é violação manifesta ao princípio da boa-fé. Sob esse aspecto, causa perplexidade a decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça em Novembro de 2018, no julgamento do Recurso Especial 1.738.247, sob relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

A Terceira Turma do STJ decidiu pela “ineficácia para terceiros” (garantia de responsabilidade civil) da cláusula de exclusão da cobertura securitária na hipótese de o acidente de trânsito advir da embriaguez do segurado ou de quem este confiou a direção do veículo. Segundo o relator, “solução contrária puniria não quem concorreu para a ocorrência do dano, mas as vítimas do sinistro, as quais não contribuíram para o agravamento do risco”. Com esse entendimento, o STJ manteve o pagamento de indenização a terceiro que teve o caminhão atingido pelo veículo do segurado, conduzido por motorista alcoolizado.

O acórdão da Corte vai na direção contrária da decisão tomada no âmbito do Recurso Especial 1.485.717/SP, do mesmo relator. Ela também se opõe ao que foi decidido no processo em que se discutia apólice de responsabilidade civil de terceiros, no Resp 1.441.620, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que abordou a questão sob a ótica da função social do contrato e do impacto que o tema carrega.

Elaine Colombini

O contrato de seguro tem função de socialização dos riscos e, como todo contrato, é pautado pela boa-fé que deve ser inerente aos contratantes. Esse é um dever amplamente discutido e demonstrado pelos ministros nos acórdãos mencionados. O mutualismo, outro princípio inerente ao contrato de seguro, tira a análise de tal modalidade contratual do âmbito eminentemente privado. Na ocorrência de sinistro, o impacto financeiro não é somente das seguradoras, mas sim de toda a massa de segurados que de forma desproporcional arcam com o pagamento do dano.

A embriaguez na direção de veículos automotores vem sendo reprimida pelo Estado através da criminalização da conduta e pelo apelo público da imprensa, que demonstra o perigo e letalidade de tal imprudência. Estudos científicos comprovam que o motorista, quando embriagado ou drogado, tem reduzidos o discernimento e os reflexos imprescindíveis para a direção de veículos.

O segurado (pessoalmente ou através de preposto), ao dirigir o veículo embriagado, assume o risco de causar o sinistro (dolo eventual), deliberadamente aumenta o risco da seguradora e, por via reflexa, da massa de segurados. A ação de dirigir o veículo sob o efeito de álcool não foi calculada pela seguradora e, portanto, não incluída no valor do prêmio pago. A embriaguez ao volante ofende a mutualidade do contrato de seguro, a boa-fé objetiva, o princípio da confiança no trânsito, é infração administrativa e crime tipificado pelo Artigo 306 da Lei 9.503/97.

É crime de perigo abstrato e de mera conduta, que se caracteriza pelo simples fato de o agente conduzir veículo automotor em estado de embriaguez, independentemente do resultado. Ou seja, a tipificação penal visa à garantia da paz social.

O resultado pode ser visto nos atendimentos do SUS, no pagamento do seguro DPVAT, nos custos da segurança pública e no próprio Judiciário, que é instado a se manifestar ora em uma visão superficial de interpretação contratual, ora como poder responsável pela pacificação social. O Judiciário deveria se posicionar vedando o “prêmio” ao segurado imprudente que causa tamanho impacto a toda a sociedade.

Como observado pela ministra Nancy Andrighi no Resp 1.441.620: “O argumento de que a ineficácia de tal exclusão de cobertura advém da função social do seguro de responsabilidade civil, uma vez que se privilegia a vítima e não o causador do dano, não é de todo sustentável, na medida em que a vítima recebe da seguradora. Mas, com isso, o causador do dano se abstém de pagar, ainda que no limite da cobertura da apólice. As consequências disso são, portanto, a facilitação de conduta danosa intencional – destacando-se aqui que a conduta de vitimar alguém em acidente de trânsito em caso de embriaguez do segurado pode não ser considerada dolosa, vez que não há intenção de matar, mas que dirigir em situação de embriaguez, sim”.

Com esse artigo, procura chamar a atenção para a incongruência entre as ações do poder público no tocante ao perigo e às consequências desastrosas da embriaguez no trânsito e para as decisões contraditórias do Poder Judiciário acerca da cláusula de exclusão contratual em razão da embriaguez, seja nas apólices de seguro de automóvel seja nas de responsabilidade civil.

Sobre o autor

Elaine Colombini, Advogada e membra do Departamento Jurídico Operacional da Tokio Marine 

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