Ultima atualização 11 de março

Os 4 gaps no seguro de celular no Brasil

Nos EUA, 30% dos aparelhos têm seguro; no Brasil, esse número fica na casa do 3%. Entenda a diferença dos produtos trabalhados aqui e lá fora
(Crédito: Schneid Seguros)
(Crédito: Schneid Seguros)

Quando vim para o Brasil, em 2010, a ideia de seguro para celulares era algo que quase não existia. Desde então, o cenário mudou drasticamente e temos mais de 4 milhões de celulares segurados no país.

Ao mesmo tempo, pego-me pensando que, nos EUA, mais de 30% dos celulares estão protegidos (estamos falando de algo em torno de 100 milhões de celulares). Enquanto isso, no Brasil, esse número fica na casa dos 3%.

30% vs 3%. Ou seja, ainda temos muito caminho pela frente, ainda mais se lembrarmos que a frequência de roubo de smartphones é muito maior por aqui do que por lá.

Na Pitzi, estamos hiperfocados em como melhorar a experiência de proteção de celular. Embora sempre tenhamos nos apoiado em dados, tecnologia, empatia e design para levar isso adiante, decidimos testar algo novo: compartilhar nossas reflexões sobre esse mercado publicamente. A ideia é convidar todos a comentar, debater e enriquecer essas ideias.

Atualmente, estou em Washington D.C. para um encontro de um dos nossos investidores, os fundadores da CapitalOne. Eles quiseram reunir os CEOs das empresas que fazem parte do seu portfólio de investimentos (há um grupo crescente do Brasil, incluindo Pitzi, Nubank, Creditas, Guiabolso e QuintoAndar) para trocar aprendizados e acelerar o impacto que todos nós estamos tendo no consumidor e em nossas indústrias.

Aproveitei o meu tempo aqui para explorar alguns gaps entre o seguro de celular no Brasil e o que tenho visto desse setor nos EUA.

Essas lacunas explicam, em parte, a diferença que vimos da penetração de mercado entre os dois países e sugerem desafios que precisamos solucionar, junto das seguradoras brasileiras, se quisermos construir um produto (e talvez um ecossistema) muito melhor para todos.

Portanto, sem mais demora, os 4 maiores gaps que percebi nesse setor:

1) O seguro brasileiro não cobre perda

O seguro no Brasil é único no que diz respeito a sua cobertura limitada de roubo, protegendo o aparelho apenas contra o chamado “Roubo ou Furto Qualificado”. Traduzindo isso para termos simples, é quando alguém usa uma arma ou faca para te ameaçar durante o roubo. Uma experiência traumática e, infelizmente, um risco real no Brasil, mas não é o suficiente.

Afinal, isso significa que os casos mais comuns de “perda” de celular ficam de fora da equação, seja por conta da ação de um “batedor de carteiras” furtivo ou quando você esquece e acaba literalmente perdendo seu smartphone em algum lugar (posso atestar que é um risco real, dado que foi exatamente o que aconteceu comigo durante uma corrida de táxi em Pernambuco este ano). Seja como for, ambos riscos são cobertos pelos planos de seguros nos EUA.

A exclusão dos casos de perda do aparelho é claramente uma das maiores fontes de insatisfação dos consumidores. Conferindo os sites do Reclame Aqui e Procon, a exclusão dos casos de perda do aparelho é claramente uma das maiores fontes de insatisfação dos consumidores. Esse é um sentimento justificado, pois é algo confuso pra caramba – ninguém fora do mundo de seguros ouviu falar desse tal “Furto Qualificado”.

A perda simples foi excluída dos seguros brasileiros principalmente por conta do risco de fraude, uma vez que é difícil, sem tecnologia, saber se um celular realmente foi perdido ou se foi, bem… “perdido”.

Estamos desenvolvendo uma tecnologia que utiliza dados para avaliar e minimizar as chances de fraude, ajudando a diminuir o risco das seguradoras ao mesmo tempo em que expande sua cobertura. Lançamos o nosso primeiro plano de Proteção Total com a QBE em 2016, fazendo com que eles fossem os primeiros a atestar que a fraude já é um fator bastante controlado no produto. Mas, definitivamente, exige tecnologia.

Ou seja, esse é um gap grande, mas indiscutivelmente solucionável na oferta atual de seguros, Sendo assim, espero que a gente consiga mover a indústria na direção certa para resolver de vez essa confusão.

2) Velocidade de sinistro: 2 dias vs 30 dias “úteis”

Nós, humanos, somos viciados em nossos smartphones. Trabalhamos neles, jogamos neles e até organizamos nossas vidas com eles. Portanto, ficar sem o celular por muito tempo é algo que atrapalha bastante.

Nos EUA, o supply chain se desenvolveu tanto que, no evento de um sinistro, eles garantem que o celular seja devolvido em até dois dias (na maioria dos casos, isso acontece no dia seguinte). No Brasil, isso pode acontecer às vezes, mas só se você estiver numa grande capital e tiver um modelo de celular comum.

Fora dessa combinação, a cadeia de suprimentos local ainda tem muitos gaps, em especial quando observamos a logística para lugares mais distantes e a existência de cerca de 1.500 SKUs de aparelhos segurados.

Assim, além de o sinistro médio no Brasil levar cerca de 12 dias úteis para ser concluído e o cliente receber um celular (um processo bem mais lento do que nos EUA), estima-se que 14% desses casos batem ou excedem o prazo máximo legal, que é de 30 dias úteis. Eita.

Há no Brasil, aliás, toda essa história da distinção para dias “úteis”, que excluem finais de semana e feriados do cálculo. Nos EUA, isso não existe. Na cultura de trabalho 24/7 dos americanos, esses dias ainda contam como dias normais, trazendo uma diferença ainda mais gritante de SLA.

O Google, empresa inspiradora, tem uma obsessão por velocidade desde sempre. Anos atrás, após vários testes, eles descobriram que uma queda de menos de 100 milissegundos na velocidade de seu portal causou uma redução direta no volume de buscas. Ao mesmo tempo, uma inovação que acelerou o carregamento dos slideshows do Picasa (atual Google Fotos) em 3x aumentou o tráfego para o site deles em mais de 40% logo no dia seguinte à atualização. Ou seja: velocidade importa!

A partir de 5 dias de espera, cada dia adicional aumenta a probabilidade de reclamação do consumidor em 100%. Tudo isso pra dizer que temos visto um efeito similar com a velocidade de atendimento de sinistros. Calculamos que, a partir de 5 dias de espera, cada dia adicional aumenta a probabilidade de reclamação do consumidor em 100%. Sim, a cada 24 horas. Isso significa que estamos diante de uma grande oportunidade coletiva para a nossa indústria.

3) Você deveria poder fazer um seguro de celular quando quisesse

Em geral, no Brasil, só é possível contratar um seguro de celular no ato da compra (ou, de vez em quando, até 30 dias depois da aquisição). Nos EUA, por outro lado, o consumidor pode proteger um celular que está em perfeito estado a qualquer momento.

Com cerca de 50 milhões de novos celulares vendidos por ano no Brasil, há 50 milhões de consumidores potenciais de seguro de celular. Ao mesmo tempo, isso também significa que há por volta de 150 milhões de celulares cujos donos até gostariam de protegê-los, mas, pela forma como o mercado funciona atualmente, não podem.

A preocupação das seguradoras é clara: se você ofertar um seguro pós-venda, as pessoas que vão se interessar por ele tendem a ser as que já têm algum tipo de problema com o celular (fraude) ou que apresentam um risco elevado de sinistro (seleção adversa).

Para solucionar esse desafio, é necessário recorrer a tecnologias complexas que ajudam a avaliar com mais precisão tanto o risco do celular (usando sinais preditivos e vistoria física/virtual do aparelho) quanto o do próprio cliente (usando modelos preditivos e underwriting).

4) Nos EUA, você sempre recebe um celular de volta (jamais dinheiro)

A indenização de um sinistro nos EUA sempre se dá pelo recebimento de um celular pelo cliente – que pode ser novo, remanufaturado ou reparado. No Brasil, a indenização em dinheiro ainda é bastante comum, mesmo que dados globais mostrem que os consumidores preferem receber um aparelho de volta o quanto antes.

Mais do que isso, enviar celulares em vez de dinheiro tem algumas vantagens-chave:

a) Pagar um sinistro em dinheiro costuma ser mais caro, já que a seguradora tem que pagar o LMI ou algum valor baseado no custo em varejo do produto. Isso quase sempre significa um custo maior do que o valor atual do celular (no mínimo por causa da depreciação do dispositivo).

b) Pagar sinistros em dinheiro acaba incentivando fraudes. Basta pensar que alguém que precise de liquidez (por qualquer motivo) é mais motivado a sinistrar.

Se isso está tão claro, por que esse ainda é o padrão no país?

Porque o supply chain brasileiro é muito complexo.

Com mais de 1.500 SKUs de celulares protegidos e aparelhos com ciclo de vida mais curtos (há modelos cujos sinistros ocorrem depois de eles já terem saído de linha), gerenciar um inventário que possibilite sempre devolver o aparelho é mais complicado do que nos EUA – por lá, o Top 10 de smartphones corresponde a mais de 90% dos sinistros.

Resumindo: muitas oportunidades no Brasil. Bora solucioná-las?

Os smartphones são uma peça importante das nossas vidas, gerando experiências (e eficiência) diariamente. Ao reduzir o tempo que os indivíduos ficam sem seus celulares, seja aumentando a velocidade dos sinistros ou ampliando o volume de aparelhos protegidos, temos um efeito multiplicador na vida das pessoas e na própria sociedade.

Claro que há bastante trabalho a ser feito para fechar os gaps entre os produtos de proteção de celular no Brasil e as melhores práticas globais. Porém, com a engenhosidade que venho encontrando por aqui, acredito que podemos inovar muito além disso.

Sobre o autor

Daniel Hatkoff, CEO da Pitzi

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