Ultima atualização 22 de novembro

Elas mudam a regra do jogo

A indústria de seguros se mostra disposta a aprender com as insurtechs, que chegaram para redefinir a jornada do segmento. Não existe um jeito certo ou errado de lidar com as inovações. A questão é: em que patamar estamos?

A maneira de se fazer negócios mudou e chegou ao mercado de seguros através das insurtechs, assim chamadas as startups dedicadas ao setor. O investimento total nessas empresas acumula mais de US$ 9,2 bilhões desde 2010. Apenas em 2016, esse valor bateu US$ 2,7 bilhões. E, para 2018, a previsão é que a arrecadação alcance um patamar próximo dos US$ 3 bilhões. Estudos feitos por consultorias indicam que há 1.500 insurtechs espalhadas pelo mundo – pouco mais de 50 delas no Brasil, segundo um mapeamento da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net), ainda em andamento.

“Estamos fazendo um levantamento quantitativo e qualitativo, separando todas elas por categorias e estágio, então é um pouco mais demorado para termos todas as informações”, explica Mauro Gambôa, consultor do Comitê de Insurtechs da entidade. Com o mapeamento, que a princípio deverá ser divulgado a cada dois meses, a camara-e.net busca entender como operam essas iniciativas, que tipo de tecnologia utilizam em seus serviços, que dores resolvem, quantos colaboradores têm e como atuam no mercado segurador (provendo serviços e/ou produtos para o consumidor ou serviços, produtos e tecnologia para as seguradoras). Mas, Gambôa adianta. “Este setor só tende a crescer daqui para frente. É uma mudança de paradigma no mercado mundial”.

Tanto deve crescer que por aqui foi criado um evento para discutir o tema: o Insurtech Brasil, que em abril deste ano chegou em sua segunda edição e reuniu mais de 800 pessoas. Fundador da Conexão Fintech, responsável por organizar o encontro, José Prado acredita que a mudança aconteceria mesmo sem a chegada dessas startups. “Já vínhamos de um movimento de venda online e de comparação de preços. As insurtechs visam dar força aos corretores e às seguradoras e o setor tem que tirar proveito máximo do mundo digital”, afirma ele, que categoriza momento atual como a segunda fase das insurtechs no país. “Agora, temos novas soluções que usam novas tecnologias nessa venda. Soluções que não trabalham com comparação de preço, mas com uma jornada, um machine learning”, explica.

Quem está prestes a ir para a terceira fase já entende que as insurtechs podem ajudar na economia, na eficiência operacional e no oferecimento de uma melhor experiência ao cliente. “Elas passam a olhar para dentro e a ver que tem muito a ganhar. Quando falamos em insurtech, é importante falar não só em eficiência, mas em melhor experiência para o usuário. Pode ser um usuário interno da seguradora ou um usuário final”.

Não existe um modelo certo. Cada seguradora vai descobrir o jeito que se encaixa na sua própria cultura de lidar com essas startups. Faz parte do mundo da inovação prototipar, acertar e (por que não?) errar, e elas vão achar a melhor forma de interagir nesse mundo. “Quando todos acharem o melhor modelo, vai ser copiado por outras. Estamos em um momento de tentativa, de autodescobrimento do próprio mercado, de entender como ele vai interagir com essas startups”, declara Prado.

Despertando para o novo

Se fora do Brasil o mercado de insurtechs vem alcançando maturidade, por aqui ainda engatinha – o que não significa que não seja promissor. “As insurtechs brasileiras são iniciativas de empreendedores próprios, não tem fluxo de dinheiro dos grandes fundos de investimento globais”, declara o sócio responsável pela área de Seguros da everis Americas, Roberto Ciccone. De acordo com o executivo, 83,8% do investimento global vão para o Vale do Silício, nos Estados Unidos; 5%; para a Ásia; 1,7% para a China; e 1,9% para a Índia, enquanto na América Latina os investimentos se concentram apenas no Chile (0,2%) e na Argentina (0,3%). “O Brasil recebe dinheiro local. Vemos empreendedores locais ou as próprias seguradoras investindo em suas startups digitais, mas temos um potencial muito grande para desenvolver e trazer dinheiro para cá”, assegura.

Enquanto isso, tanto aqui quanto lá fora, as seguradoras, através de fundos de capital de risco, laboratórios digitais e participação em aceleradores, analisam e investem em startups disruptivas como alavanca de inovação. Por outro lado, os gigantes tecnológicos também estão adquirindo, investindo e colaborando no espaço da insurtech a fim de complementar suas capacidades digitais e informações disponíveis para o cliente.

“Vemos não só as startups de seguros como as gigantes de tecnologia [Google, Apple, Facebook e Amazon] fazendo coisas que impactam as seguradoras. A inteligência artificial fazendo diagnóstico médico, o monitoramento da saúde com a internet das coisas, ou até mesmo a casa conectada, são tecnologias que vem muitas vezes de fora, invadem o setor e mudam a maneira de trabalhar. Mudam, no mínimo, o modelo de negócio e os produtos”, diz Ciccone, listando como principais desafios para as seguradoras o comportamento do cliente e a competição exigindo novos produtos, novos modelos de negócios e uma nova maneira de trabalhar. “Elas [seguradoras] acordaram. A maioria já tem suas garagens digitais, iniciativas de inovação. Tem até algumas insurtechs financiadas por seguradoras.

Mas, o ritmo de inovação hoje ainda é meio de laboratório. Não é uma coisa cultural na empresa trabalhar isso como questão de sobrevivência”, alega, acreditando que as disrupções ou inovações chegarão cedo ou tarde por aqui. “A coisa, quando é muito boa, acaba vindo porque o cliente quer. Hoje temos a oportunidade de olhar o que já está acontecendo com sucesso lá fora e se preparar para isso melhor. É um erro fecharmos os olhos e acharmos que não vai acontecer”, aconselha.

Com relação às insurtechs, ele faz questão de destacar que vão além da competição. “Existe muita coisa de colaboração, de ecossistemas diferentes. Além de trazerem melhores experiências para os clientes, muitas vezes elas ajudam a cadeia de valor da própria seguradora ou do ecossistema. Quem se interessa pelo termo insurtech tem que olhar para essas startups como potenciais parceiras ou potenciais pontos de melhoria”.

Fôlego às insurtechs

Algumas seguradoras ajudam a impulsionar as insurtechs que estão chegando no mercado. É o caso da Oxigênio Aceleradora, da Porto Seguro, que de janeiro de 2016 até agora já investiu US$ 50 mil em cada uma das 29 startups selecionadas. Todas elas passaram por ciclos de aceleração com duração de sete meses (quatro no Brasil e três no Vale do Silício, na Plug and Play, parceira da aceleradora).

“Estamos no quinto ciclo. Tivemos quase seis mil startups inscritas para selecionarmos essas 29. Elas se inscrevem e passam por um processo de seleção em que basicamente avaliamos sua sinergia com os produtos e serviços da Porto”, pontua Italo Flammia, diretor de Inovação e Digital da Porto Seguro e diretor da Oxigênio Aceleradora.

Recentemente, a Oxigênio lançou dois novos programas de aceleração: o Ignição e o Tração. O primeiro foca em startups de estágio inicial, que ainda não faturam, onde são investidos R$ 200 mil em cada uma. Sua participação direta pode variar de 6,3% a 10% em função da próxima rodada de investimento. “Não definimos mais o percentual de participação da startup logo no início, como fazíamos nos programas anteriores. Agora, ganhamos uma participação de acordo com o valuation da startup na próxima rodada de investimento com um desconto de 40%. E, em cima desse valor, definimos a participação dessas startups”, explica Flammia. Já o segundo foca em startups de nível mais avançado, com receita de aproximadamente R$ 150 mil ao mês ou R$ 600 mil ao ano. São startups maiores, sempre com sinergia aos produtos e serviços da Porto. Nelas, são investidos de R$ 350 mil a R$ 500 mil, com uma participação também definida na próxima rodada de investimento (de 3,5% a 5%) e desconto do valuation de 20%.

O executivo considera que há poucos programas de fomento à criação de startups iniciais no Brasil. “O lago tem sempre os mesmos peixes ou poucos peixes novos. Não temos uma universidade que estimula os alunos a criarem startups, diminuindo a oferta dessas empresas no início da cadeia”, justifica, citando também a ausência de investidores. “É um investimento de alto risco, são poucos os que investem no início da cadeia de desenvolvimento das startups. Isso faz com que haja uma mortalidade muito grande das startups logo nos seus primeiros anos de vida. Fala-se em algo em torno de 50% delas no Brasil morrendo no seu segundo ano de vida”, revela.

ATôGarantido resistiu à estatística. Criada em 2015, a startup brasileira acaba de unir-se à seguradora Chubb com o objetivo de consolidar uma solução voltada à inclusão das classes C e D ao mercado de seguros. Além dos pacotes que cobrem o cliente em situação de perda de saúde (necessidade de internação, doenças graves etc), o produto visa oferecer acesso a serviços de saúde com preços acessíveis e populares durante a vigência da apólice. “Não é um plano de saúde, mas uma alternativa econômica para quem não consegue contratar os planos tradicionais”, lembra o CEO, Felipe Cunha.

Os seguros são 100% digitais, podendo ser adquiridos online ou pelo celular por meio de um sistema de inteligência artificial e do auxílio de chatbot para interação. Desafiador? “Super”, garante ele, que busca quebrar três paradigmas. “O primeiro é comercializar o seguro, produto de venda consultiva e mais complexa. O segundo é vender um seguro 100% online, e o terceiro é vender um seguro 100% online para as classes C e D. A inovação das insurtechs não é apenas colocar online o seguro tradicional. Ela passa por um desenho profundo de produto também”, afirma. Para Cunha, ganhará quem realmente aprender a realizar a venda automatizada, utilizando as diversas tecnologias que estão surgindo.

Já a Straton Care Cyber, lançada em outubro do ano passado, caminha para o fechamento de sua primeira apólice. Em parceria com seguradoras, a insurtech estruturou uma plataforma de comparação e contratação online de seguro cibernético, voltada aos empresários. Funciona da seguinte maneira: quando a empresa faz o primeiro contato via plataforma e encaminha o formulário para as seguradoras iniciarem a cotação, uma equipe de consultores começa a intermediação, fazendo toda a consultoria junto à empresa. “O formulário não envolve apenas as informações de números da empresa, mas também das políticas de proteção de dados dela. Nossa equipe de consultores interage com a equipe de TI da empresa para que sejam entendidas as informações e descritas corretamente no formulário de cotação que é analisado pelas seguradoras”, explica o CEO, Marcos Baldigen.

Ele lembra que o termo insurtech em si é muito novo, assim como o produto. Por isso, a insurtech inicial se depara com duas dificuldades: fazer com que os empresários utilizem uma plataforma online de cotação de um seguro que não conhecem e escalar a as as vendas em função de marketing. “Há muito pouco marketing ainda sobre esse produto. A maioria dos empresários com quem entramos em contato nem conhecem o produto”.

Regulação

No Brasil, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) estabeleceu um canal de comunicação com as seguradoras para saber as demandas delas em relação aos meios digitais. Para isso, constituiu, em julho do ano passado, a Comissão Especial de Inovação e Insurtech, composta por representantes da CNseg, FenSeg, FenaPrevi, Fenacap e Fenaber, além da ANSP, Fenacor, An-Re e da Escola Nacional de Seguros. No entanto, ainda não há uma regulação definida para esse mercado. “É uma inovação que até para o supervisor fica difícil antecipar a regulação de algo desconhecido”, afirma Natalie Hurtado, analista técnica da autarquia. “A princípio, não vamos regular sem entender de fato como as insurtechs estão operando e o que exatamente elas estão trazendo de inovação, sejam essas inovações evolutivas, no sentido de melhorar o que já existe; ou disruptivas, de fazer algum processo de forma diferente e inovador realmente”, explica.

A ideia da Susep é partir, junto com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e com o Ministério da Fazenda, para uma sandbox regulatória, ambiente controlado pelas agências reguladoras para teste das startups. Neste cenário, os reguladores selecionam quais temas de inovação devem ser observados – que tenham maior interesse para as próprias insurtechs ou considerados mais importantes para o mercado, como, por exemplo, o uso da inteligência artificial e do blockchain nas startups ligadas a seguro e o que essas inovações trazem do ponto de vista do mercado, que tipo de processo auxiliam e seus efeitos no relacionamento da empresa seguradora que vai vender o produto com o consumidor de seguros ou de previdência privada.

O caminho tem sido adotado da mesma maneira mundo afora. Na Associação Internacional de Supervisores de Seguros (IAIS, na sigla em inglês), organismo ligado ao Financial Stability Board – FSB (Conselho de Estabilidade Financeira, em português), a Susep participou de uma força-tarefa em que foram mapeadas 212 jurisdições, abarcando centenas de países – Brasil, México e Reino Unido integram a lista, assim como os Estados Unidos, que para cada estado tem um regulador. “Não existe ainda um país que já tenha uma regulação. Temos jurisdições que já realizaram as sandbox e estão em fase de análise desses dados ou até em fase de implementação”, reitera Natalie.

José Prado, porém, afirma que este não é um caminho unânime. “Existem defensores e não defensores dessa prática”, diz ele, que enxerga a sandbox com bons olhos. “Acho interessante olhar as inovações para depois ver onde e como vai regular. Muitas vezes, não se manifestar é a melhor manifestação. Isso mostra amadurecimento”, acredita.

E no Brasil? Quais seriam os riscos que a Susep teria mais interesse em observar? Natalie comenta que “o martelo ainda não foi batido sobre esse tema, mas existem pilares que a administração da autarquia vem tentando implementar”. O fomento do mercado é o primeiro deles, pois o Brasil é um país com dimensões continentais e tem uma grande população não segurada ou subsegurada. O segundo é a melhoria da própria supervisão baseada em riscos. Já o terceiro fica com a desburocratização.

“Dentro desses três pilares, diria que os riscos que hoje têm maior preocupação para a Susep são àqueles relacionados a produtos de microsseguro: como desenvolver os seguros inclusivos, incluindo os microsseguros, para que a população de baixa renda também possa usar o seguro como uma ferramenta de melhoria na escala social econômica. E talvez, dentro do microsseguro, especificar algum tipo de público-alvo, possivelmente o público-alvo de micro e pequenas empresas”, declara. Além do microsseguro, há uma vontade do regulador em entender melhor os seguros paramétricos, voltados ao risco agrícola, dado que o Brasil também tem como uma de suas bases econômicas o agronegócio.

No caminho certo

4 exemplos de insurtechs bem sucedidas no mercado internacional

  • Ping An Good Doctor: startup chinesa que atua na área de saúde. Arrecadou US$ 500 milhões em investimentos e tem um valuation acima de US$ 3 bilhões;
  • Metromile: seguro pay as you use (pagamento por milha), baseado na quilometragem percorrida pelo motorista. Se o condutor gastar menos tempo ao volante, gastará menos dinheiro em seguros;
  • Lemonade: seguro peer to peer, atua basicamente com produtos de seguro residencial. “Nós tratamos o seu prêmio de seguro como seu dinheiro”, dizem em seu material de divulgação. 20% do prêmio é retido pela segurado a título de taxa de administração e também para a compra de resseguro para a carteira;
  • Trov: oferece seguros para eletrônicos (celular, câmera e caixas de som) por meio de um aplicativo. O usuário pode “ligar” e “desligar” o seguro de uma das coisas a hora que quiser e rastrear seus pertences por foto ou nota fiscal, que ficam na guardados na nuvem. A insurtech opera na Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido e deve expandir presença em outros países.

Lívia Sousa
Revista Apólice

* matéria originalmente publicada na edição 232 (maio de 2018)

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