Ultima atualização 22 de novembro

Capacitação e cultura para minar prejuízos

A quantidade de erros na hora das vendas de produtos de saúde gera insatisfação de usuários e sinaliza que está na hora do mercado rever a capacitação dos profissionais

Sair das filas do SUS e ter um atendimento mais digno, ágil e com qualidade. Este é um dos maiores desejos de grande parte da população brasileira e, por isso mesmo, um dos setores mais protegidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.

É um mercado que passa por dificuldades e que vem perdendo beneficiários, muito embora este movimento esteja diretamente ligado ao momento difícil e de aumento de desemprego do na economia brasileira. Os custos e a queda na qualidade de atendimento nesse momento podem afastar aqueles que já se sentiram lesados de alguma forma, que passam a acreditar que arcar com um plano de saúde pode não ser tão vantajoso.

Em uma análise no site Reclame Aqui, principal canal online voltado para que consumidores exponham suas insatisfações com atendimentos e serviços prestados, é possível perceber alguns problemas recorrentes na saúde suplementar. Até o fechamento desta matéria, foram computadas 2.538 reclamações por cobranças indevidas em troca ou cancelamento de planos; 1.694 por dificuldades de agendamento de consultas; 1.557 por conta de demora para autorização de consultas, exames e cirurgias, além de 1.019 acionamentos de pessoas insatisfeitas com a rede de credenciamento e atendimento.

Esse canal de reclamações online pode ser um bom termômetro para entender os motivos que levam aos descontentamentos que, se não forem resolvidos, que são encaminhados para o Poder Judiciário, problema que o mercado tenta combater. Para se ter ideia, a empresa que mais recebe reclamações no site tem nota 4,28 (de 10) e, mesmo quando responde os usuários, esses não se sentem satisfeitos. Prova disso é que com um índice de 71,9% de respostas às reclamações e 66,1% dos problemas resolvidos, apenas 45,1% dos usuários afirmam que voltariam a fazer negócio com a empresa.

Mas, de quem é a culpa? Do consumidor? Das empresas ou do intermediário que oferece o produto? A origem dessas reivindicações não recai apenas em um membro dessa cadeia de atendimento. Tudo é mais complexo porque a falta de intimidade dos clientes com o mercado de saúde, e o que ele é capaz de oferecer, cria um abismo entre o que é acordado e o que é entendido; quando um sinistro da saúde acontece e o cliente percebe que não terá direito ao que imaginava que estaria coberto – o que muitas vezes acontece em um momento delicado – todas as partes envolvidas se sentem lesadas.

“O cliente precisa compreender que o plano de saúde só tem a cobertura para o que pode acontecer, não para a doença que já explodiu, que é imediata. O plano precisa do caráter preventivo para funcionar bem. É preciso seguir a lógica da distribuição do risco entre os que contribuem.

O plano não foi feito para atender as necessidades da população como um todo”, defende José Silvio Toni, presidente do recém criado Sindiplanos – Sindicato das Empresas de Comercialização e Distribuição de Planos de Saúde e Odontológicos do Estado de São Paulo. (saiba mais no Box).
Por outro lado, seguradoras e operadoras de saúde ainda pecam em dar transparência às complexas regras que existem e os corretores, por sua vez, acabam cometendo erros que custarão caro às outras duas pontas dessa equação.

A venda consultiva é exaustivamente apontada como a única maneira correta de atuação dos corretores, independentemente da carteira em que atuam. Ao mesmo tempo, o corretor de seguros e planos de saúde depende muito das ferramentas disponibilizadas pelas operadoras no dia a dia e do entendimento pleno daquilo que vende.

É necessário que o profissional possa tirar dúvidas, ter um contato estreito com as companhias e assim poder ser claro com as pessoas que, leigas, podem ficar sem coberturas caso a apólice não seja muito bem planejada. Algo está se perdendo entre uma ponta e outra dessa comunicação e, ao invés de procurar culpados, o mercado tem se empenhado para que cada player faça sua parte e mude essa realidade, mantendo os diferenciais que levam a saúde suplementar a ser tão importante na vida da população.

Judicialização

Laureci Zeviani, diretor comercial da Ameplan Saúde, embora não ache que as dificuldades sejam tão expressivas, reconhece que esses problemas, na visão da operadora, acontecem principalmente nas áreas de varejo e têm como motivo a “falta de clareza para o cliente sobre a funcionalidade do produto vendido”.

Os escritórios de advocacia especializados nessas demandas conhecem bem essa realidade, como é o caso advogado Rafael Robba, do Vilhena Silva. Por lá, as maiores reclamações estão relacionadas com negativas de tratamento, exclusões de cobertura ou reajustes. “Quando se fala em contratação, o reajuste é a maior deficiência dos consumidores, que muitas vezes desconhecem, pois são muito mal explicados para os consumidores”, comenta.

Há também a falha no entendimento do tipo de plano contratado – se por adesão, individual ou coletivo – e não saber isso afeta toda a relação entre expectativa e realidade dos beneficiários, os levando à frustração. “A gente tem uma quantidade muito grande de ações que o consumidor também discute coberturas. Dificilmente um consumidor sabe dizer como o reembolso do plano dele é calculado, por exemplo”, conta Robba.

A palavra temida no mercado de saúde suplementar está cada vez mais difícil de ser ignorada. A falta de informação não é uma desculpa para o cliente, ele na maioria das vezes não deixará de exigir algo que precise e que seja crucial para sua saúde porque não leu corretamente a apólice ou porque o intermediário falhou em deixar as questões claras e, ainda que ele queira resolver a situação o mercado, de acordo com Robba, nem sempre é tão acessível assim. “Quando o problema acontece, dificilmente as soluções são colocadas para o consumidor. Muitas vezes ele busca sua solução perante seu corretor, a operadora e até a ANS, mas dificilmente encontra essa solução, por isso acaba buscando o judiciário”, diz.

Uma das muitas reclamações das operadoras e também de entidades da saúde suplementar é que a justiça acaba pendendo muito a favor do consumidor, mas por que isso acontece? Robba explica que a defesa do consumidor é uma lei federal e,por ela, está determinado que o judiciário, de fato, já tenha o consumidor como hipossuficiente, é isso que diz a lei.

“O consumidor tem uma série de proteções justamente para que esse tipo de prática de mercado – de omitir informações ou não levar informações adequadas no momento pré-contratual – não prejudique o consumidor na execução de contrato”, defende o advogado. Todas as falhas de informação que eventualmente acontecerem antes da contratação vão ser depois corrigidas pelo judiciário com base no código de defesa do consumidor. “Não é que o judiciário está extrapolando, é a lei”, completa.

Os casos de fraude também fazem parte dessas preocupações. O mutualismo abre também essas brechas e, mesmo quando algo está errado, isso não quer dizer que a operadora não terá que atender o beneficiário. O escritório Vilhena Silva já recebeu um caso assim: um contrato social fraudado para que uma pessoa que não fazia parte do corpo da empresa tivesse direito ao plano. Claramente uma fraude, porém que partiu da empresa e do corretor, a decisão final do juiz foi manter o beneficiário no plano, porque a má-fé não partiu dele, portanto ele não poderia ser lesado por conta da ação de seus intermediários. Ou seja, nem só o consumidor é prejudicado com vendas mal-feitas, todo o mercado sofre esse impacto e arca com as despesas envolvidas, o que só agrava a questão de acessibilidade da população à saúde suplementar.

Para o presidente do Sindiplanos, o seguro saúde se diferencia de outros tipos de seguros, como o automóvel, por exemplo, que tem um limite de cobertura mais delimitado. “O carro é o valor do carro e limites de terceiros, por exemplo, mas o plano de saúde pode cobrir diferentes necessidades com valores incalculáveis. Essa realidade cria uma amplitude de possibilidades, que tem um preço a ser pago”, explica Toni.

O papel do intermediário

Para Zeviani, a primeira coisa a ser ressaltada é a necessidade de treinamento. Na operadora quatro gestoras de vendas estão presentes em corretoras e plataformas, justamente para atualizá-las e repassar as informações necessárias aos corretores, o que Zeviani compara com “um mantra” que deve ser repetido até que seja compreendido.

A operadora também estabeleceu um tratamento especial no momento em que as reclamações são recebidas, assim é possível detectar onde aconteceu o problema e se é algo relacionado à venda e que possa ser trabalhado e melhorado com o corretor. Para o incentivo ser completo, a companhia incluiu a motivação em sua campanha de vendas: o corretor mais qualificado ganha prêmios por seu desempenho.

“É perceptível a redução de problemas ocasionados por desvio relacionado ao profissional de vendas. Nos últimos quatro anos, tempo que já dura este trabalho focado, saímos de um sinal vermelho para um amarelo suave. Permitimo-nos ser cada vez mais criteriosos exatamente porque temos cumprido este papel de parceiros e até de orientadores desses parceiros”, comenta.

Ninguém é dono do cliente. A troca entre corretores e companhias deve ser em prol do beneficiário e não uma disputa para saber quem se dá melhor com ele. Zeviani reforça que hoje a equipe da operadora está mais disposta a aprender do que ensinar corretores, mas que é preciso estar atento.

“Ainda podemos perceber que às vezes falta um entendimento correto entre a necessidade do cliente e o produto que se oferece”, enfatiza. Laureci Zeviani ainda completa: “tudo nasce nas mãos do corretor. Sua boa atuação produz bons clientes para toda a cadeia, inclusive para ele mesmo. Considerando que um bom cliente, bem assistido, produz propaganda positiva para outras seis pessoas, ao passo que um cliente insatisfeito replica sua impressão negativa para uma infinidade de pessoas. O bom corretor sabe que antes de vender um produto, ele está vendendo primeiro a sua imagem”, destaca.

Então, por quem é o corretor? O profissional da corretagem deveria ser, antes de tudo, um representante dos interesses do beneficiário. Quando alguns deixam de exercer esse papel o cliente se confunde.

Tanto que quando a venda é mal feita o beneficiário não costuma procurar os culpados separando corretor de operadora, para ele – como é possível perceber nas reclamações online – o corretor é um braço da companhia de saúde e, portanto, a falha e a deficiência no atendimento vêm dos dois. “Eu vejo essa prática como prejudicial porque acredito que desvirtua a função do corretor. Ele precisa levar informação ao beneficiário e com isso impedir que, lá na frente, ele desconheça seus limites e parta para ações judiciais”, alega Robba.

A venda de qualquer seguro é complexa, a maioria dos corretores trabalhar exercendo o seu melhor, mas quando se trata de saúde há uma desvantagem em relação a outras carteiras: a falta de instrução. Há cursos já disponíveis para esse nicho, mas eles ainda não abrangem o Brasil todo e não têm grande adesão. “Até para pessoas com muito instrução esse assunto é complexo. O grupo de pessoas que vendem planos são formadas por indivíduos mais simples e que precisam aprender na prática, no dia a dia”, reflete.

Os sites de reclamação, disponíveis a todos são cada vez mais um fator levado muito em consideração antes de o consumidor bater o martelo no que diz respeito à contratação dos cuidados com a saúde. O que falta agora é que, separadamente, cada player do setor faça um mea culpa e descobre se está falhando em algum momento e que sejam curiosos, busquem informações e conheçam o seu papel, não só de direitos e necessidade de vendas, como suas responsabilidades éticas e sociais, envolvidas nessa relação.

Apoio para quem comercializa saúde

Ao contrário do que acontece com os corretores de outras modalidades de seguro, credenciados e regulamentados pela Susep e apoiados pelos Sincor’s, àqueles que comercializam saúde falta mais regulação para o mercado e suas funções. Mas isso já começou a mudar.

No dia 17 de janeiro deste ano, um sindicato voltado para essa categoria foi finalmente aprovado, tornando-se o representante das empresas mediadoras de planos de saúde. José Silvio Toni, já estabelecido como presidente da entidade, atua no mercado há 26 anos e comemora a vitória, dizendo assumir com alegria a nova responsabilidade de capitanear essa empreitada. “Agora caminharemos de maneira muito mais alinhada aos corretores. Nós [profissionais que comercializam planos de saúde] só não estamos no Sincor por questões legais, não por falta de vontade; apenas porque o Sincor representa corretores de seguros, que pertencem ao sistema financeiro e não ao de saúde”, elucida.

Alexandre Camillo, presidente do Sincor-SP, é um dos padrinhos desse novo sindicato, justamente por conta da similaridade de atuação, da vontade do presidente do novo sindicato de equiparar os passos na saúde com o que foi feito no setor de seguros. Além disso, diversas companhias de seguros já foram comunicadas sobre o novo órgão e Toni afirma que a ideia foi muito bem recebida.

Para começar, o Sindiplanos buscam uma cadeira na ANS, para participar das questões que são discutidas na autarquia. Além disso, a formação de profissionais mais capacitados será uma importante bandeira porque, para Toni, além de esse ser um caminho para melhorar o atendimento e a rentabilidade no mercado – evitando que as vendas mal feitas gerem ainda mais danos, essa também é uma oportunidade de mostrar á sociedade que os planos de saúde são importantes para quem os utiliza, mas também podem ser uma oportunidade de trabalho e ganhos, de ajuda social dando uma profissão promissora, em expansão que sustenta famílias e protege a população.

Amanda Cruz
Revista Apólice

* matéria originalmente publicada na edição 223 (janeiro/fevereiro de 2018)

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