Ultima atualização 27 de setembro

Brasileiros recorrem às clínicas populares para escapar da crise na saúde

Mais de 3 milhões de pessoas deixaram os planos de saúde. Modelo conquista uma fatia desse público e permite que paciente escolha quando e onde quer ser tratado, mas apresenta ressalvas

O mercado dos Estados Unidos adota há mais de dez anos uma solução de atendimento com clínicas médicas de varejo voltadas a uma população cada vez maior. Localizadas em centros comerciais e supermercados, as clínicas contam com atendimento rápido e barato para os padrões americanos: uma consulta pode custar entre US$ 35 e US$ 60. Estima-se que por lá 45 milhões de pessoas utilizem esse serviço, seja pelo custo ou pela carência dos planos de saúde.

No Brasil e em países da América Latina, as clínicas populares sempre existiram em bairros ou cidades que carecem de atendimento médico público. Agora, se expandem para os grandes centros e ganham cada vez mais atenção dos brasileiros. Isso porque muitos trabalhadores perderam o emprego com a crise econômica e, consequentemente, o acesso ao convênio médico – a maioria dos planos de saúde contratados no país é coletivo.

De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), entre 2015 e 2017 mais de três milhões de pessoas deixaram de ter planos de saúde no país e ficaram com a opção de utilizar os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), que embora na teoria seja considerado um dos modelos de planos de saúde mais avançados do mundo, na prática enfrenta muitas dificuldades e queixas por parte dos usuários. Outros dados, coletados em uma pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em parceria com o Ibope, constataram que 56% dos brasileiros acreditam que a saúde pública piorou no último ano.

Como funcionam

O custo de uma consulta em uma clínica popular é, em média, de R$ 75, valor que pode variar conforme a especialidade médica, horário ou localidade do atendimento. Também são vendidos exames e terapias de baixo impacto. Emergências têm prioridade e há ainda a possibilidade de se realizar exames (como hemograma, ecocardiograma, endoscopia e teste ergométrico) no próprio local de atendimento. A agilidade nos serviços joga a favor de quem não quer enfrentar a longa espera dos hospitais públicos.


“Minha mãe esperou por mais de seis meses para passar no cardiologista pelo SUS. Cansei e marquei uma consulta para ela em uma clínica popular”

Lilian Martins, analista, 28 anos


 

Lilian recorreu ao serviço após indicações de amigos. Ela garante que não teve nenhum tipo de problema até o momento. “Os médicos são muito bons e atenciosos. Não tenho do que reclamar”, afirma.

Mesmo aqueles que possuem um plano de saúde, em alguns casos, podem utilizar esses centros médicos, seja pela proximidade e a existência de convênio de atendimento ou pelo baixo custo de aquisição. Contudo, atrair pacientes para este modelo de atendimento será uma tarefa de planejamento e comunicação, afirma Arthur Junqueira, gerente executivo da TPA Saúde, empresa de administração e gestão de saúde corporativa.

“Também não podemos esperar que todos os pacientes do SUS migrem para um modelo privado de baixo custo, mas podemos afirmar que parte dos segurados do Sistema Único de Saúde, com melhores condições financeiras, poderão ocasionalmente utilizar um sistema privado para suprir as carências da saúde estatal. Os pacientes, quando têm alternativas, fazem escolhas sobre quando e onde querem ser tratados”, declara Junqueira.

Se o paciente paga por uma consulta ou para a realização de exames básicos e laboratoriais em um local em que chega e é atendido no mesmo dia, também é importante saber que esse sistema apresenta algumas ressalvas e que nem sempre poderá resolver o seu problema. Nenhuma dessas clínicas atende a todas as especialidades. Elas apenas fazem um atendimento básico, de clínica médica, e um atendimento de áreas de especialidades onde a procura é mais frequente.


Nas clínicas populares, o médico tem condições de resolver problemas de baixa complexidade


 

“O paciente pode ser atendido, achar que vai ter o seu problema resolvido e, no final da consulta, com alguns exames básicos feitos, o médico pode dizer que o problema dele é mais complexo e pedir para que ele procure um especialista em outra área”, lembra Salomão Rodrigues, coordenador da Comissão Nacional de Saúde Suplementar do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Regras para um mercado crescente

Ainda não há números que indiquem quantos estabelecimentos desse tipo existem no país. “Elas [clínicas populares] são registradas como ambulatório. Temos a separação do que é ambulatório (conjunto de consultórios sem internação, mas com alguns pequenos procedimentos), do que é hospital (maior complexidade) e do que é consultório (local de atendimento de um a três médicos). As clínicas populares estão no grupo de ambulatórios”, explica Rodrigues. Apesar disso, o surgimento de novas clínicas e a procura pelo serviço apontam que seu crescimento é nítido, despertando o interesse não só de grupos formados por próprios médicos, mas de grandes empresários que passam a trabalhar com entusiasmo neste nicho.

Um mercado em ascensão necessita de regras e, em janeiro deste ano, o CFM determinou algumas normas para o funcionamento deste setor. Dentre as determinações estão o registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado em que atuam e a obrigatoriedade de indicação do diretor técnico médico responsável no CRM. Também foi vedada a divulgação dos valores de consultas, procedimentos e exames e condições de pagamento fora dos estabelecimentos (inclusive em panfletos e anúncios publicitários) e o fornecimento de cartões de descontos, fidelidade ou similares. O corpo clínico deve contar com médicos comprovadamente habilitados para o exercício da medicina no Brasil e os serviços colocados à disposição da população devem se limitar a atos e procedimentos reconhecidos pelo CFM.

Na Resolução, ficou proibida ainda a instalação das clínicas junto a estabelecimentos que comercializem órteses, próteses, implantes, produtos e insumos médicos. Elas não podem estar próximas a óticas, farmácias, drogarias e comércio varejista de combustíveis, ou em interação com estabelecimentos comerciais de estética e beleza. Entretanto, seu funcionamento é autorizado em locais de grande fluxo de pessoas, como shoppings centers. Para tanto, devem obedecer às normas do CFM no que diz respeito ao ato médico e dispositivos para segurança predial e rotas de fuga para situações de pânico, de acordo com a legislação específica.

Oportunidade para o médico, desafio para o setor

Salomão Rodrigues, do CFM, e Jorge Sale Darze, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), afirmam que no SUS o profissional é mal remunerado e não tem a segurança necessária para executar o seu trabalho. Neste cenário, é comum encontrar profissionais que, em geral, somam mais de três relações de trabalho para tentar sobreviver através desses empregos. Eles revelam ainda que a saúde suplementar já não é tão atrativa para os médicos em razão das dificuldades que apresenta e da impossibilidade dos profissionais de tentar reverter essa situação.

Também nos planos de saúde tradicionais, mesmo com o paciente agendando a consulta com antecedência, os médicos levam de dois a três meses para ver seu atendimento se transformar em pagamento. “Apesar do preço cobrado por uma consulta ser baixo, as clínicas populares tem um alto volume de atendimento e o médico recebe em um dia. Ele vai passar o dia em uma clínica popular e, ao final desse mesmo dia, receberá o fruto do seu trabalho”, explica Rodrigues, reiterando que esses fatores interferem e favorecem o surgimento desse mercado.

Na avaliação de Darze, os médicos adotam um sistema diferente, com valores mais baixos de consulta, como uma alternativa de sobrevivência ao mercado adverso que existe fora de seu consultório, que apresenta dificuldades tanto no setor público quanto no privado. Ele lembra ainda que grande parte da insatisfação da população com o SUS se dá pela dificuldade de acesso aos médicos. “Se o problema está no acesso ao médico, a clínica popular é uma forma de facilitar esse acesso”, diz.

Contudo, as clínicas populares também farão com que as operadoras busquem outras alternativas para conviver com esse sistema – não à toa, o próprio governo estimula essa medida com a criação do chamado plano de saúde popular, um plano de baixo custo, com coberturas básicas, que oferece aos usuários menos serviços e atendimentos do que o estabelecido pelas coberturas mínimas obrigatórias da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e que divide opiniões entre os especialistas.

“Isso é uma aberração. O governo, ao invés de incentivar a abertura de novos planos populares de saúde, deveria investir no SUS e tirá-lo da condição crítica em que se encontra”, opina Darze.

Princípios fundamentais

Arthur Junqueira, da TPA Saúde, lembra que as clínicas devem ser norteadas por alguns princípios fundamentais que sintetizam a missão complementar ao Sistema Único de Saúde e seu compromisso com a população, além de respeitar os princípios fundamentais de qualquer sistema de saúde, que são:

❱ Fornecer serviço de baixa complexidade a todos baseados nas necessidades clínicas e não na capacidade de pagamento;

❱ Basear-se nas necessidades e preferências individuais dos pacientes, familiares e seus responsáveis;

❱ Trabalhar continuamente para prover serviços de qualidade;

❱ Trabalhar com parceiros estratégicos – laboratórios, farmácias, hospitais e clínicas especializadas – para assegurar a continuidade do atendimento aos pacientes;

❱ Ajudar a manter a saúde da população e reduzir a desigualdade na saúde;

❱ Respeitar a confidencialidade dos pacientes e prover o livre acesso a informações sobre os serviços e tratamentos.

Fique de olho

Antes de recorrer às clínicas populares, certifique-se o estabelecimento está registrado no Conselho Regional de Medicina. No site do CRM também é possível ver se o médico realmente possui a especialidade registrada. Isso dá a segurança de que o paciente terá atendimento com maior qualidade.

Lívia Sousa
Revista Apólice

* matéria originalmente publicada na edição 235 (agosto/2018)

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