Ultima atualização 26 de junho

Copa 2018: Seleção de “cтрахование”

Apesar de a Copa do Mundo não ser no Brasil este ano, o mercado local também surfa na onda do futebol com negócios relacionados ao evento
(Crédito: Pra Onde For)
(Crédito: Pra Onde For)

Copa 2018 – Difícil de se pronunciar, cтрахование, segundo o alfabeto cirílico – o azbuka, usado na Rússia e em mais outros cinco países europeus, nada mais é do que seguro. Para facilitar a leitura de palavras russas, uma linguagem informal foi criada, aproveitando-se das letras latinas para quem não é nativo.

Com esse empurrãozinho da linguagem, seguro em russo também pode ser lido, com fonética em inglês, como strakhovaniye. Muito mais fácil. A Copa do Mundo na Rússia deve movimentar bilhões de dólares em cтрахование ou strakhovaniye, garantindo mais tranquilidade aos milhares de espectadores que vão prestigiar as seleções durante os 32 dias do mundial.

Os riscos são os mais diversos e, portanto, as coberturas de seguros envolvidas no torneio abrangem desde a possibilidade de não realização de jogos até mesmo ataques cibernéticos e sequestros e extorsões.

Somente a cobertura contra o cancelamento do torneio, que garante a indenização para a perda de direitos televisivos e oportunidades de patrocínio, é estimada em cerca de US$ 1 bilhão, conforme projeções divulgadas pela seguradora Beazley, especializada em seguros para eventos. Já os riscos de construção – dos 12 estádios que serão palcos para as partidas, sete foram construídos – estão
em torno dos US$ 2 bilhões. Todas as coberturas somadas, conforme estimativas da Beazley, resultam em coberturas de US$ 7 bilhões em resseguros por conta do mundial na Rússia.

Apesar de a Copa este ano ocorrer a mais de 14,4 mil quilômetros do Brasil, equivalente a quase 9 mil milhas ou cerca de 18 horas de voo, o mercado nacional de seguros também se beneficia da realização do evento. Diversos tipos de seguros são contratados no País não somente por quem vai participar do mundial de alguma forma, seja como espectador, atletas e equipes de redes de comunicação, como de ações realizadas por aqui e que também necessitam de seguro.

A cada gol do Brasil, 10% de desconto na compra de um produto. Quem adquirir televisão no período pré-Copa pode receber parte do valor que desembolsou com o novo aparelho de volta se a seleção brasileira, única a participar dos 21 mundiais já realizados até agora, conquistar o hexa na Rússia. Embora não apareça, existe um seguro por trás dessas promoções. O diretor regional de marine e entretenimento da Allianz Global Corporate & Specialty Brazil (AGCS), Gilberto de Espíndola, explica que há um cálculo estatístico que tem de ser feito sobre a possibilidade de a oferta feita na propaganda se concretizar na prática, o que, se de um lado, beneficia o consumidor, do outro, pesa no bolso da empresa, que precisa de caixa para honrar o prometido. Para se resguardar de eventuais prejuízos, esses grupos, majoritariamente varejista, encontram respaldo no seguro.

“É um produto relacionado à área de eventos. Em uma ação sobre a possibilidade de uma seleção de futebol de um determinado país ganhar a Copa, fazemos o cálculo estatístico em relação à chance de isso acontecer e esse porcentual é utilizado para precificar o seguro para cobrir essa ação”, detalha Espíndola.

De acordo com ele, o segmento que mais demanda esse tipo de seguro é a de venda de eletroeletrônicos, que, tradicionalmente, recebe um impulso a mais nas vendas por conta da Copa do Mundo, com os consumidores renovando  seus aparelhos para assistir aos jogos do Mundial. No entanto, o produto é similar às apólices contratadas para premiações de programas de TV como “Quem quer ser um milionário”, inspirado em um concurso de televisão português, e ainda “The Wall”, ambos realizados no Brasil no Caldeirão do Huck, exibido pela Rede Globo. “Esses eventos podem dar muito certo ou muito errado. Por isso, a cobertura de seguros e faz necessária para arcar com os custos que vão além do que o promotor pode se autossegurar”, destaca o especialista da AGCS.

Para quem leva a taça

No campo das premiações, há outros  seguros que são movimentados pela Copa do Mundo. A demanda vem também das seleções de futebol que prometem aos jogadores escalados para o mundial recompensas financeiras a depender do desempenho em campo. O professor Gustavo Cunha Mello, sócio da corretora de seguros Correcta, diz que o mercado de seguros oferta apólices para as seleções fazerem frente aos prêmios prometidos aos seus atletas caso saiam vencedoras.

“O seguro funciona como um derivativo e permite que o time possa pagar os jogadores. O prêmio é proporcional ao risco. É como um bônus numa empresa, mas recebe o nome de bicho no futebol”, conta o especialista. A Alemanha, detentora da última Copa, prometeu 350 mil euros a cada jogador. Uma das ofertas mais parrudas, porém, é da Espanha, que ofereceu 825 mil euros por atleta. A cifra é 37, 5% superior ao montante de 600 mil euros pagos a cada atleta que integrou o time vitorioso na Copa na África do Sul, em 2010. Mas se não chegar nem às quartas de final, o time espanhol não leva nada para casa. Nem título nem prêmio.

O Brasil, país do futebol e forte candidato ao título, também conta com uma cifra bem generosa, de 800 mil euros para cada jogador caso a seleção brasileira leve a taça para casa. Alguns times como o do Panamá, oferecem recompensas até mesmo para conquistas mais tímidas durante o mundial como, por exemplo, para se o time conseguir ultrapassar a fase de grupos, antes do famoso mata-mata.

A oferta financeira serve, na prática, como um empurrãozinho para estimular os atletas a darem o melhor de si. Espíndola, da AGCS, conta que o mercado de seguros e resseguros é bem criterioso para selecionar os riscos que aceita. Isso porque uma mesma companhia não pode ter a apólice de vários times, já que a chance de um  sinistro é cada vez mais certa. “Imagine  fazer seguro para quatro seleções como Alemanha, Argentina, Brasil e Espanha – acrescentando a França. A chance de ter que pagar o sinistro é muito grande. Geralmente, consideramos assumir o risco até de duas seleções porque aceitar uma terceira já contribuiria para isso. Tanto é que centralizamos a aprovação desses contratos em Londres a partir de um time estatístico responsável por fazer esses cálculos”, explica o diretor da AGCS, acrescentando que este seguro é tradicionalmente contratado em outros eventos esportivos como, por exemplo, Copa Libertadores da América.

O Brasil é o favorito a vencer a Copa do Mundo da Rússia com 17,89% de chance, de acordo com pesquisa da corretora JLT. A Alemanha, detentora do  último título, é a segunda favorita, com 16, 55%. Para chegar nesse resultado, a pesquisa da JLT considerou a probabilidade de cada seleção levar a taça a partir de estimativas de 25 casas de apostas.

Uma das conclusões, foi de que as nações  europeias tinham coletivamente dois  terços de chances de ganhar o torneio enquanto que as da América Latina era de quase um terço. No caso dos times africanos, essa proporção é de apenas 1,54%.

As seleções também contam com seguro para seus atletas. A brasileira assumiu, desde 2016, o pagamento de seus membros. Todos os atletas profissionais com contratos ativos no sistema BID da Confederação Brasileira de Futebol têm direito a coberturas de seguro de vida e de auxílio funeral, cujos custos são bancados pela entidade. Inicialmente, o contrato tinha como parceira a Itaú Seguros. No entanto, no mesmo ano do fechamento da apólice, a seguradora vendeu a sua carteira de vida em grupo para a americana Prudential que passou a responder pelo seguro dos jogadores filiados às federações que compõem a CBF e joga no Brasil.

O pagamento de seguro de vida é obrigação dos clubes, conforme o artigo 45 da Lei Pelé. Além disso, os atletas também costumam ter seguros por conta própria, sendo que não é pequena  a parcela deles que busca apólices para  partes específicas do corpo por conta da grande exposição de sua atividade.

Segundo estimativas da londri na Beazley, cada uma das 32 seleções segurou seus
atletas em cerca de US$ 19 milhões contra o risco de sequestro e extorsão. Craques de destaque como Lionel Messi, da Argentina, e Cristiano Ronaldo, da seleção portuguesa, podem estar segurados em torno de US$ 150 milhões, com maiores riscos de segurança rondando as estrelas do futebol, conforme informações publicadas na mídia internacional.

Para quem vai

Além dos seguros dos atletas, equipamentos profissionais que são enviados para a Rússia a partir do Brasil também movimentam o mercado local. O foco da proteção aqui não é exatamente evitar prejuízos com os aparelhos, mas conter gastos e facilitar o trânsito aduaneiro de bens. Batizada de ATA Carnet (Admission Temporary), a apólice possibilita a exportação e importação de bens temporariamente sem a incidência de impostos. Facilita, assim, a entrada de equipamentos profissionais em países sede de eventos e agiliza, de quebra, o preparo da documentação. Com validade de 12 meses, esse seguro é aceito em 77 países, dentre eles, Rússia, Alemanha, China, Estados Unidos, Japão, México, uma vez que são parceiros comerciais do Brasil.  De acordo com a gerente de seguro garantia da corretora BR Insurance, Kamila Souza, a realização da Copa do Mundo está impulsionando a procura pelo produto.

No Brasil, o ATA Carnet é emitido desde 2016 após a Confederação Nacional da Indústria (CNI) firmar um compromisso junto à Receita Federal . No  primeiro ano, de acordo com a entidade, foram emitidas mais de 100 apólices, movimentando US$ 2,6 milhões. No mundo, esse mercado soma mais de US$ 30 bilhões em mercadorias por ano, segundo a CNI.

Atualmente, o ATA Carnet beneficia  segurados tanto pessoas jurídicas quanto físicas dos estados do Ceará, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Incluído no ramo de seguro garantia, funciona como um  passaporte da mercadoria e pode ser contrata do por empresas de diversos segmentos  como, por exemplo, de telecomunicações,  indústrias calçadistas que participarão de exposições, de equipamento eletrônicos, entretenimento, transporte, equipamentos esportivos, dentre outras. “O  maior impulso para o produto este ano é a Copa do Mundo. O desempenho do ATA Carnet até o começo de junho foi por conta do mundial”, diz a especialista da BR Insurance, Kamila Rosa, que não abre os números das vendas. No Brasil, a corretora tem exclusividade na venda do produto juntamente com a seguradora Porto Seguro.

Do lado da pessoa física, o mercado aproveita para e levar as vendas de seguro  viagem aos brasileiros que vão assistir à Copa do Mundo. A proteção é obrigatória em países da Europa, incluindo a Rússia, e abrange coberturas para a viagem, seguro saúde, extravio de malas, eventual assalto, acidente, dentre outras. A apólice deve cobrir custos de tratamento da ordem de 30 mil euros. Conforme a gerente de vendas e marketing da Bidu, Michele Alves, a estratégia deaproveitar eventos globais para comercializar seguro viagem já entrou no calendário da empresa. O fato de a Copa do Mundo ser na Rússia, segundo ela, foi um impulso a mais, uma vez que o país não é um destino muito usual dos brasileiros.

Para deslanchar as vendas, a corretora tem parceria com uma agência de viagens. “Tivemos um aumento sensível no seguro viagem, mas ainda está abaixo da nossa expectativa”, diz Michele que, às vésperas de junho, ainda esperava um aumento mais expressivo nas vendas, considerando que a maior parte dos viajantes deixam a contratação do seguro para a última hora. Além disso, outro impulso para as vendas esperado por ela era dos espectadores que iriam à Rússia apenas para jogos pontuais para o fim do torneio.

A menor demanda não afeta apenas os negócios no Brasil. Dados divulgados no início de junho pela Fifa dão conta de que a bilheteria da Copa do Mundo de 2018 estava abaixo da receita do mundial no Brasil. A expectativa é de que o montante em ingressos some US$ 495 milhões, sendo 40% vindo dos torcedores russos. O valor é mais de 4% inferior à cifra obtida pela Fifa na última Copa, de US$ 518. Na ocasião, os brasileiros responderam pela maior parte dos ganhos, comprando 60% de todos os ingressos comercializados.

Segundo a Fifa, 2,4 milhões de ingressos já foram vendidos para 2018, mas ainda há outros 120 mil no mercado. Do total, 871 mil entradas foram compradas por russos. O Brasil ocupa a terceira posição, atrás dos Estados Unidos, respondendo por 75 mil dos ingressos vendidos.

Para quem fica

A área de seguros para a realização de eventos no Brasil dentro das segurador as locais também é movimentada em Copa do Mundo, a despeito de o torneio não ser aqui. A demanda vem de empresas que utilizam o gancho do mundial para promoverem ações junto a clientes e fornecedores. A seguradora americana AIG, que apostou em um lugar customizado para seus parceiros assistirem os jogos, a Casa da Rússia, entretanto, teve suas expectativas frustradas diante de um volume de negócios abaixo do esperado relacionados a eventos por conta do torneio. O presidente da companhia, Fabio Oliveira, embora estivesse nos Estados Unidos na última Copa, esperava um ambiente mais animado tanto do ponto de vista de comemorações como do lado corporativo. Prova disso é que somente às vésperas da abertura da Copa do Mundo da Rússia a tradicional decoração verde e amarela começou a tomar conta das ruas no Brasil. Nada de 7 a 1.

Pesa, sobretudo, segundo especialistas ouvidos por Apólice, a recente crise no País e a instabilidade política ainda fresca na memória dos brasileiros que, recentemente, ganhou um agravante adicional: a greve dos caminhoneiros. “Apesar de a economia brasileira já estar em um processo de retomada, a crise ainda pesa”, confirma Oliveira, para  quem o Brasil vai ganhar o mundial ou, na pior das hipóteses, perder na final da Copa, agendada para o dia 15 de julho.

Enquanto ainda não se tem o resultado desta Copa, a próxima já está movimentando o mercado de seguros global. A JLT é a corretora responsável pelo programa de apólices da construção de cinco estádios para o mundial de 2022, que ocorrerá no Qatar, num projeto estima do em quase US$ 40 bilhões. O seguro  ficou com um grupo de seis seguradoras locais do Qatar que se uniram para formar um sindicato, o National Insurance Consortium (NIC). Do lado do resseguro, a francesa Scor receberá 20% do risco. Os 80% restantes serão distribuídos entre os membros do NIC.

Manuela Almeida
Revista Apólice

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