Ultima atualização 02 de fevereiro

Bullying está na mira do mercado segurador

Setor reforça amparo às escolas e aos alunos com seguro de Responsabilidade Civil que traz cobertura específica contra os atos de bullying

Bullying

Aos 11 anos, Ana Paula Rodrigues era chamada pelos garotos da escola de “palito” e de “juba de leão”. Receber esses apelidos na pré-adolescência, fase em que as meninas lutam com os complexos da própria aparência, não foi nada fácil. “Tinha vergonha do meu cabelo, do meu corpo. Achava as outras meninas bonitas e me sentia estranha. Isso mexeu com o meu psicológico”, lembra a instrumentadora cirúrgica, hoje com 30 anos. As agressões verbais só enfraqueceram quando a então estudante passou a ignorar as ofensas. “Foram dois anos até perceber que quanto mais eu batia de frente, mais eles me provocavam”, afirma.

Casos como este persistem, estão longe de acabar e precisam ser abordados e levados a sério. Uma pesquisa recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que 7,4% dos alunos do país declararam sentimentos de humilhação e provocação por seus pares. A sondagem, com base em dados de 2016, revela ainda que quase um quinto dos estudantes (19,8%) disse ter “esculachado”, zombado, intimidado ou caçoado de seus colegas. Felizmente, Ana Paula não precisou recorrer a tratamentos psicológicos para superar o trauma, mas nem sempre é assim.

“O bullying pode provocar danos à saúde física e psicológica de uma pessoa nas mais variadas formas. Depende muito de cada indivíduo, da sua estrutura, de vivências, de predisposição genética e da maneira e da intensidade das agressões”, destaca a psicóloga e Personal Coach, Elaine Mardegan. Fisicamente, os efeitos podem ser imediatos (lesões) ou em longo prazo (dores de cabeça, distúrbios do sono ou somatização). Emocionalmente, resultam em baixa resistência imunológica e baixa autoestima, com sintomas psicossomáticos e transtornos psicológicos ou psiquiátricos como a depressão e até mesmo o suicídio.

Mas, o que torna alguém agressor? Há quem pratique o bullying por desequilíbrio de poderes, em que umas pessoas tentam superar as outras. No entanto, segundo a especialista, muitos “valentões” enfrentaram dificuldades próprias em algum momento da vida. Abusos físicos e verbais, episódios violentos em casa e estilos de vida caóticos estão entre as experiências perturbadoras. “Como resultado, eles deslocam sua dor aos indivíduos mais frágeis”, explica.

No ambiente escolar, o estresse e a ansiedade causados pelo bullying podem dificultar a aprendizagem da vítima, fazendo com que ela sinta dificuldade em se concentrar e tenha sua capacidade de foco diminuída. “As marcas são graves e abrangentes”, pontua Elaine. A família também é afetada, sofrendo juntamente com a vítima, e muitas vezes não sabe como lidar com o problema.

Trabalho em conjunto

O bullying não termina quando um incidente é relatado. Pode levar tempo para resolver e exige uma força-tarefa que envolve os familiares, as escolas e os demais envolvidos. “Como escola, a comunidade e o lar afetam o comportamento da criança, as intervenções devem atingir os três níveis. Todos precisam deixar claro que não toleram a prática. Em ambientes não favoráveis o bullying é incapaz de prosperar”, sentencia a psicóloga.

O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp) conta com cerca de 10 mil associados entre escolas de educação infantil e de ensino básico. Na entidade, o tema é trabalhado há pelo menos 16 anos. A orientação é que as escolas conversem com os familiares dos alunos e tenham um seguro de Responsabilidade Civil não só para os casos que envolvam bullying, mas para qualquer outro acidente que possa ocorrer com o aluno no ambiente escolar. “Da porta da escola para dentro a responsabilidade é da instituição de ensino”, reforça o presidente do sindicato, Benjamin Ribeiro da Silva.

De fato, a partir do momento em que os pais colocam seus filhos em estabelecimento de ensino, eles tornam-se hóspedes do local – com o advento do Código de Defesa do Consumidor, as escolas passaram a ser consideradas fornecedores de serviços. A exclusão da responsabilidade se dará apenas se a instituição provar cabalmente que o fato era inevitável. A corresponsabilidade dessas instituições pelos atos praticados em suas dependências passou a ser considerada a partir da mudança do Código Civil. Agora, dependendo do entendimento do julgador, atos comprovados de bullying nas instituições de ensino podem resultar desde acordos estipulados em ajustamentos de condutas, passando por multas ou, em casos extremos, até o encerramento de suas atividades.

Cobertura específica

O seguro educacional visa dar a continuidade aos estudos dos alunos em caso de falecimento ou de perda de emprego do responsável financeiro, cobrindo alguns meses da mensalidade escolar, e também traz a garantia obrigatória de morte+invalidez permanente total por acidente (IPTA). Entre as coberturas opcionais estão invalidez funcional permanente por doença (IFPD), perda de renda por desemprego involuntário (DI), incapacidade física total e temporária (IFTT) ou falência (FA), além de matrícula, repetência, formatura, pré-vestibular e assistência recolocação – todos eles em caso de morte, IPTA ou IFPD, se contratados.

O produto já é bem difundido pelo mercado segurador e conhecido pelas instituições de ensino. Entretanto, não se pode dizer o mesmo de seu índice de adesão. “A demanda por consulta do produto cresceu muito, principalmente pelo elevado índice de desemprego, mas a contratação do seguro ainda é baixa, por ser de forma compulsória e totalmente pago pelas escolas, que não podem repassar o custo aos pais”, explica o diretor comercial da corretora Klima Seguros, Paulo Sonagere.

Dentro dos seguros oferecidos para as instituições de ensino, a novidade é que algumas seguradoras também passaram a disponibilizar um seguro de Responsabilidade Civil que conta com cobertura específica contra bullying. Quando a escola aciona a seguradora neste caso, o aluno recebe a orientação de psicólogos e nutricionistas para ajudá-lo. Dependendo da seguradora, os tratamentos psicológicos são estendidos a funcionários ou professores, assim como pagamento de custas judiciais de um eventual processo ao qual o estabelecimento venha a ser réu.

“É uma garantia que cobre o reembolso de despesas caso a unidade educacional seja responsabilizada judicialmente por atos de violência física e psicológica (intimidação sistemática) ocorridos em suas dependências, sejam eles provocados por alunos, professores ou funcionários”, diz Eduardo Dal Ri, vice-presidente de Auto e Massificados da SulAmérica.

O estudante também conta com o apoio de professores particulares para a reposição de aulas perdidas ou reforço, se necessário. “Para utilização dos serviços de professor particular para reposição de aulas perdidas ou para reforço, é necessário que o aluno esteja afastado de suas atividades escolares por mais de cinco dias úteis, com comprovação médica por escrito”, explica o diretor geral de seguros de Vida do Grupo BB e Mapfre, Enrique de La Torre. Já os serviços de orientação psicológica e nutricional não precisam de nenhum requisito, podendo ser acionados em qualquer momento, sem limite de utilização durante a vigência do contrato de seguro.

Entretanto, pode haver exclusões por parte do mercado segurador quando os eventos envolverem terceiros que não se enquadrem no ambiente escolar, danos ou ferimentos em consequência da situação do imóvel ou mesmo quando a prática de bullying se dá exclusivamente em ambiente virtual – por redes sociais, por exemplo.

Prevenção x combate

Temas sensíveis como o bullying têm raízes complexas e propostas de soluções discutidas por diversas entidades. É fundamental que os agentes atuantes em ambientes onde crianças e adolescentes estejam inseridos invistam e promovam campanhas de prevenção para alertar os jovens quanto aos males do bullying. Por outro lado, é importante que as vítimas tenham apoio de profissionais para conseguir superar este momento e seguir a vida.

Neste cenário, surge um entrave: por ser apresentada como uma arma de prevenção e não de combate ao problema, alguns educadores alertam que a cobertura contra bullying pode não ser vantajosa. Paulo Sonagere, da Klima Seguros, discorda. “Realmente o seguro não vai combater o problema, pois na maioria das vezes o bullying é praticado de forma silenciosa e os gestores das escolas podem não perceber, o que torna muito difícil de ser combatido”, afirma. “Como todo e qualquer seguro, o produto é contratado para evitar ou minimizar possíveis prejuízos em caso de sinistros.”

Programa de Combate à Intimidação Sistemática

Sancionada pelo Governo Federal em setembro de 2016, a Lei nº 13.185 estabelece que escolas e clubes brasileiros adotem o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, criado para tentar acabar com a prática do bullying nesses ambientes por meio de campanhas educativas. Caso contrário, as instituições podem ser responsabilizadas por negligência.

Segundo o projeto, docentes e equipes pedagógicas devem ser capacitadas para implementar ações de prevenção e solução do problema. Pais e familiares também devem ser orientados para identificar vítimas e agressores. É exigida ainda assistência psicológica, social e jurídica tanto às vítimas quanto aos agressores.

Como identificar o bullying

Nem todas as vítimas de bullying pedem ajuda. Por isso, reconhecer os sinais de alerta é muito importante. Dentre eles estão:

  • Lesões inexplicáveis;
  • Vestuário, livros, eletrônicos e/ou outros objetos pessoais perdidos ou destruídos com frequência;
  • Dor de cabeça ou dores de estômago frequentes;
  • Mudanças nos hábitos alimentares, como repentinamente perder o apetite ou compulsão alimentar;
  • Dificuldade em dormir ou ter pesadelos frequentes;
  • Perda de interesse no trabalho escolar ou não querer ir para a escola;
  • Perda repentina de amigos ou evitação de situações sociais;
  • Sentimentos de desamparo ou diminuição da autoestima;
  • Comportamentos autodestrutivos, como fugir de casa, prejudicar-se ou falar sobre suicídio.

Lívia Sousa
Revista Apólice

* matéria originalmente publicada na edição 228 (dezembro/2017)

Compartilhe no:

Assine nossa newsletter

Você também pode gostar

Feed Apólice

Ads Blocker Image Powered by Code Help Pro

Ads Blocker Detected!!!

We have detected that you are using extensions to block ads. Please support us by disabling these ads blocker.

Powered By
Best Wordpress Adblock Detecting Plugin | CHP Adblock