Ultima atualização 18 de dezembro

O seguro não tolera o dolo

Lava-jato trouxe os holofotes para a proteção a executivos, mas seguradores fazem questão de lembrar que o dolo nunca tem cobertura

dolo

No final de 2015, e por todo o ano de 2016, especialmente com o aumento de denúncias da Lava-jato, acordos de leniência, delações premiadas e investigações em grandes empresas que trabalharam junto aos governos, um alerta vermelho se acendeu e a sociedade passou a ouvir mais sobre um seguro para proteger executivos. O D&O, que já existia há tempos no mercado, ganha mais espaço.

Dados da Susep mostram que no primeiro trimestre de 2017 o mercado acumulou R$ 107 milhões em prêmios na carteira de D&O. No mesmo período do ano passado o valor foi de R$ 112 milhões. Mesmo com essa aparente retração, Gustavo Galrão, superintendente de Financial Lines & Liability da Argo Seguros, credita esse decréscimo à cobertura de danos ambientais que passou a ser contabilizada como um produto secundário no produto de RC Ambiental. “Infelizmente, não há como distinguir o prêmio oriundo do D&O no ramo de RC Ambiental, todavia é perceptível que houve um impacto”, esclarece. A posição de Galrão é reforçada pelo fato de que o RC Ambiental acumulou R$ 15 milhões em prêmios no primeiro trimestre de 2017. A diferença positiva nessa carteira é, justamente, o decréscimo da carteira de D&O.

Já a sinistralidade dos últimos 12 meses – entre abril de 2016 e março 2017 – ficou em 42%, 11% a mais do que no mesmo período do ano anterior. “Entre os fatores que mais contribuíram para esse crescimento, certamente podemos destacar o aumento de casos de pedidos de recuperação judicial e de falência de empresas”, explica Galrão. Isso mostra que a crise é mais um algoz para a carteira do que propriamente as operações anticorrupção deflagradas nos últimos anos no País.

A Chubb, que ao se juntar com a Ace em 2015 ficou com metade do mercado de D&O brasileiro, percebe claramente o aumento, mas Rafael Domingues, diretor de Linhas Financeiras e Energia da companhia, acredita no aumento da cultura como principal causa de procura. “Os executivos estão cada vez mais familiarizados com a importância do seguro, independente do tamanho ou setor da empresa em que trabalham. Isso ocorre principalmente porque são muito comuns os exemplos de casos em que terceiros buscaram responsabilizar executivos por atos de gestão”, explica.

Liberar a empresa de arcar com os custos de defesa de seus executivos indiciados e, ao mesmo tempo, não colocar em risco o patrimônio deste executivo é o maior atrativo da carteira, que conta com cada vez mais interessados. “O aumento da demanda é observada em empresas de praticamente todos os setores. Em particular, a Chubb está realizando contratos junto a um número crescente de pequenas e médias empresas”, observa Domingues.

A sinistralidade aumentou a partir de 2014, mas desde 2008 é crescente. O caso da Sadia, ocorrido em 2008, tornou-se emblemático pelo prejuízo de R$ 2,484 bilhões por causa de seus derivativos e por mostrar como os executivos precisam se proteger no momento de administrar. Na época, a companhia realizou aportes em derivativos cambiais com intuito de proteger suas exportações contra uma valorização excessiva do dólar. O erro se deu quando os altos executivos e conselheiros decidiram comprar um volume muito maior dessas ações, pois elas geravam ganho financeiro com um dólar baixo. Quando a crise do subprime estourou, o dólar disparou e a Sadia se viu altamente endividada. Isso causou transtornos aos executivos, forçou a companhia a reformular o seu conselho – passando a ser mais transparente e ser um exemplo para as empresas contarem mais com o D&O. “O prêmio vem subindo de maneira linear. Houve um pico em 2010, em relação a 2009. No caso da Sadia, a própria empresa entrou com uma ação contra o diretor financeiro. Ao longo dos anos, os acontecimentos fazem com que o produto venha crescendo, pois as pessoas estão conhecendo cada vez mais esta alternativa. A sinistralidade deve se estabelecer nessa média, pois as empresas têm usado o produto para mitigação de riscos. O que é bom para o mercado de maneira geral”, opina Maurício Bandeira, gerente de Produtos Financeiros da Aon Brasil.

Um estudo da consultoria KPMG intitulado “A Governança Corporativa e o Mercado de Capitais” mostra que as companhias de capital aberto são as principais consumidoras do produto, com média do valor de cobertura em 2016 de R$ 94 milhões. Mas, hoje, esse aumento no D&O acontece, principalmente, por conta das companhias de capital fechado que têm procurado mais o serviço.

Quem achava que esse seria um momento difícil para o mercado, errou na aposta. Assim acredita Sergio Barroso de Mello, especialista do escritório Pellon & Associados Advocacia, que cita operações como Lava-Jato e Carne Fraca como demonstradoras da utilidade do produto, mas não a ponto de enfraquecer a carteira. “O ponto relativo às indenizações não encontra qualquer problema. O setor de seguros é saudável o suficiente para garantir a cobertura do risco, além de utilizar técnica sofisticada de pulverização por meio de contratação de resseguro, o que está ocorrendo sem qualquer percalço”, afirma.

Acessível, mas criterioso

Apesar de poder ser contratado por qualquer empresa, o seguro D&O precisa de um criterioso gerenciamento de dados e detalhada subscrição para colocar uma companhia sob sua proteção. É preciso que seja uma empresa saudável, com bom histórico, que tenha práticas de compliance adequadas etc. A percepção de risco que elas apresentam é que vai ditar se serão, ou não, aceitas ou ainda se serão aceitas com restrição de coberturas. “Os termos e condições da Lei Anticorrupção prevêem multas que podem ser atenuadas se a empresa mostrar aos clientes que adotam medidas para evitar corrupção”, destaca Bandeira. Com as medidas, os prêmios tendem a ser menores e com melhores condições de contratação. Mesmo assim, o risco é avaliado de forma individual, há fatores externos que interferem, mas a particularidade de cada empresa deve contar mais alto quando a seguradora decide fechar o contrato. “O maior desafio do subscritor é saber diferenciar corretamente como a conjuntura impacta o risco de cada segurado”, afirma Galrão.

Já para Domingues, quando se trata da subscrição do risco, a necessidade de acompanhamento do ambiente jurídico brasileiro e do exterior figura entre os principais desafios. “O estudo dos impactos de uma economia globalizada podem recair sobre riscos locais e sobre a situação política e econômica – não somente no Brasil, mas também nas principais economias do mundo”, elenca o executivo da Chubb.

Até mesmo na Axa, companhia que entrou em 2016 no mercado de RC para executivos, é seguida essa linha de mercado. Embora a companhia tenha ido a esse mercado com apetite, busca acompanhar as diretrizes do restante das seguradoras no que diz respeito às práticas de subscrição. “Nós seguimos essa linha mais conservadora. Como estamos no início das operações, seguimos o que o mercado faz para que possamos, ao construir uma carteira, manter uma relação de longo prazo com as empresas, para começar a ter massa suficiente de apólices e, aí sim, poder ser mais ousado”, conta o vice-presidente Comercial da companhia, Octávio Bromatti.

Sem o programa de compliance nas empresas, as seguradoras podem acabar optando por não assumir o risco ou que o façam com restrições de coberturas. “O mercado é bastante evoluído, as seguradoras se especializaram. Por isso, é rara a situação em que uma empresa nem recebe uma cotação para contratar o D&O. O que pode acontecer é essa proposta vir com restrições de cobertura e um prêmio mais elevado”, lembra Bandeira. A maior restrição, em todo mercado, acontece com empresas que têm relacionamento com o governo. Nelas, sempre haverá algum tipo de exclusão – total ou parcial. Se há alguma denúncia de envolvimento com propina ou corrupção, ela pode ser total, sem chance de defesa. Ou pode ser parcial: a seguradora não faz adiantamento de indenização e o executivo custeia todos os gastos com sua defesa, caso fique provada inocência a seguradora efetua o pagamento dos custos advocatícios.

O seguro não tolera o dolo

Mello explica que o aumento de indenizações pagas pela carteira de D&O é algo natural a qualquer produto de seguro – especialmente os que ganham espaço em um mercado onde quase não havia penetração. Para ele, a ocorrência de fatos relacionados às atuais operações policiais – como Lava-Jato e Carne Fraca – podem até ter gerado a procura por cobertura dos sinistros, “porém, nem todos os sinistros estão cobertos, sobretudo se há má-fé do segurado”, destaca. A esse respeito, o advogado cita a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça- STJ, que pela primeira vez teve a oportunidade de apreciar e julgar, em última instância civil, questão envolvendo o seguro de responsabilidade civil na modalidade D&O. E o fez em caso no qual o segurado e o tomador, na renovação de sua apólice, não informaram ao segurador a ocorrência de atos lesivos de insider trading (operação realizada por administrador com valores mobiliários de emissão da companhia, em proveito próprio ou de terceiro) que geraram prejuízo à companhia/segurada e ao Mercado de Capitais. “O STJ considerou descaracterizado o sinistro e negou a cobertura pleiteada”, exemplificou.

O envolvimento da seguradora é completamente distanciado do julgamento. Ter um executivo com uma apólice de D&O envolvido em qualquer processo judicial não dá nem à companhia o respaldo de que aquele cliente é inocente e, muito menos, ao executivo de que ele poderá se beneficiar de alguma maneira do que foi contratado em caso de dolo. “O dolo é risco excluído pela apólice. Contudo, quem define se o executivo é culpado ou inocente, ou se sua conduta foi dolosa ou culposa, são os tribunais. A confirmação ou não da cobertura depende de decisão final e/ou trânsito em julgado”, explica Galrão, da Argo. Caso a exclusão de adiantamento de custos de defesa não seja feita no momento de subscrição da apólice, mas fique comprovado o dolo, a inexistência de cobertura, a seguradora terá que ser reembolsada dos valores adiantados.

O D&O é, portanto, para decisões de erro de gestão sem má intenção. Não havendo a intenção de errar, de má-fé – tão contrária à premissa do seguro – o produto dá a tranquilidade de o segurado poder continuar tocando seus negócios e ter a chance de acertar mais para frente, sem ter comprometido todo seu patrimônio para defender-se. Ao contrário do que poderia ser esperado, o produto deverá, sim, sair fortalecido.

“É importante lembrar que tudo isso que está sendo discutido em operações como a Lava-Jato trata-se de dolo e o produto nunca existiu para isso. Tudo que vimos são situações que não entram no escopo das indenizações. O executivo pode errar o recolhimento de uma alíquota e acabar prejudicando alguém, por exemplo e precisa ter como se defender – é para isso que existe o D&O”, ressalta Bandeira.

Para um produto pouco considerado até pouco tempo, esse salto deverá dar às empresas mais credibilidade e transparência. Adquirindo o seguro, elas precisam estar cientes de que devem ter boas práticas para contar com a indenização. “As empresas com executivos mais experientes e essas práticas lá fora – especialmente as multinacionais – já tinham essas políticas. Aqui ainda estamos engatinhando, mas o saldo é positivo. Nós vimos como possibilidade, então nós entramos com foco em PME, mas como todas as empresas precisam, não excluímos nenhum porte de nossas atividades”, destaca o executivo da AXA.

Já o advogado Sergio de Mello, não enxerga com maus olhos o aumento da exposição por conta dos casos de corrupção. Pelo contrário. “Tenho certeza que o seguro D&O passou a ser mais conhecido e foi objeto de forte demanda justamente por conta da operação policial denominada Lava Jato. Isso porque muitas são as empresas e os executivos envolvidos, beneficiários dessa cobertura, de forma que assim evitaram a utilização de patrimônio pessoal para custear as respectivas defesas, em situações nas quais os próprios segurados ficaram sem acesso aos seus recursos, em vista de bloqueios judiciais decretados. O seguro D&O teve, nessas operações, a oportunidade ímpar de provar a sua gigante utilidade aos segurados de boa fé e, certamente, será um produto cada vez mais procurado pelo mercado consumidor de seguros dessa modalidade”, aposta o especialista.

Amanda Cruz
Revista Apólice

* matéria originalmente publicada na edição 221 (maio/2017)

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