Ultima atualização 11 de maio

Impactos negativos da flexibilização do conceito de faturamento no mercado de seguros

Alexandre Herlin

Um dos temas que tem gerado intenso debate no âmbito das empresas de seguros privados diz respeito ao cômputo das receitas financeiras provenientes dos ativos garantidores das reservas técnicas na determinação das bases de cálculo do PIS e da COFINS, apuradas pelo regime cumulativo.

Recentemente, tal controvérsia, que permanecia aguardando definição pelo Supremo Tribunal Federal (STF), voltou à pauta de discussão com a Solução de Consulta COSIT nº 83/2017[1],que veiculou a orientação de que tais receitas, por decorrerem de atividade empresarial própria daquelas sociedades, integrariam o seu faturamento, para fins de incidência dessas contribuições.

Tal polêmica teve início no julgamento conjunto dos RE nos 346.084/PR, 357.950/RS, 358.273/RS e 390.840/MG, em que o Pleno do STF, apreciando a questão sob o enfoque das empresas em geral,declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98[2], por haver incluído nas bases de cálculo do PIS e da COFINS outras receitas que não as da venda de mercadorias e serviços, tidas como únicas compreendidas no conceito de faturamento previsto na redação original do art. 195, inciso I, da Lei Maior.

Em seguida, ao apreciar outros casos sobre o tema,que igualmente não envolveram operação de seguro, a 2ª Turma do STF passou a interpretar o termo faturamento de modo mais amplo, como designativo da soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais típicas[1].

Do ponto de vista das empresas de seguros privados, a matéria começou a ser examinada no Pleno do STF por ocasião do julgamento,sem repercussão geral,  do RE nº 400.479/RJ, iniciado em 19.08.2009,mas ainda não concluído.

Naquela oportunidade, embora o recurso sub judice tivesse por objeto discutir a inclusão dos prêmios nas bases de cálculo do PIS e da COFINS, criou-se uma expectativa no mercado, sobretudo diante do teor do voto proferido pelo Ministro Relator, de que outros aspectos correlatos viriam a ser também enfrentados, tal como o referente à incidência dessas contribuições sobre as receitas financeiras produzidas por ativos garantidores de reservas técnicas.

Em paralelo, surgiu outro caso no Pleno do STF (RE nº 609.096/RS), com repercussão geral, mas ainda não julgado até o momento, tendo por objeto examinar a questão sob o enfoque de instituição financeira,cujo mérito, do mesmo modo atrelado à análise do alcance do termo faturamento, pode influenciar o tratamento a ser dado às seguradoras.

Nesse contexto, a ausência de pronunciamento explícito do STF a respeito da não incidência do PIS e da COFINS sobre as receitas auferidas pelas empresas de seguros privados tornou-se campo fértil para o surgimento de interpretações com o objetivo de suprir essa lacuna, a exemplo da externada na Solução de Consulta COSIT nº 83/2017, tema principal do presente estudo.

Ora, não se discute que a alocação de recursos financeiros próprios em ativos garantidores de reservas técnicas constitui parte integrante da atividade de uma empresa de seguros privados, até porque essa iniciativa é compulsória,nos termos do art. 84 do Decreto-lei nº 73/66.

Tal obrigatoriedade, porém, que tem por finalidade exclusiva garantir o adimplemento de todas as obrigações e riscos inerentes à operação de seguro, não nos parece suficiente para respaldar o entendimento de que as receitas financeiras advindas desses investimentos materializariam produto da atividade típica ou principal de uma empresa de seguros privados.

Como é sabido, o objeto principal desse tipo de empresa consiste em desenvolver operações de seguro propriamente ditas, nos moldes definidos no Código Civil,sendo-lhe vedado, inclusive, explorar qualquer ramo de comércio ou indústria, por força do art. 73 do já citado Decreto-lei nº 73/66.

Desse modo, quando constitui uma empresa de seguro privado, o empresário almeja, como objetivo principal, a celebração de contratos de seguro e o recebimento, em contrapartida, dos prêmios estipulados nas respectivas apólices, extraindo daí o lucro decorrente dessa iniciativa empresarial.

A manutenção das reservas técnicas e,  por consequência, dos ativos financeiros que lhes servem de lastro,adquiridos com recursos próprios, constituem verdadeiro encargo atribuído a essas sociedades como mecanismo de assegurar a solvabilidade  das suas operações, não podendo ser tipificados como sua atividade principal, até porque os lucros derivados dessas aplicações sequer podem ser livremente distribuídos,sendo, na prática, geralmente alocados para a mesma finalidade.

Reforça, aliás, a natureza jurídica acima descrita as circunstâncias de que os ativos garantidores das reservas técnicas devem observar diretrizes do Conselho Monetário Nacional e obedecer critérios que garantam segurança, rentabilidade, solvência e liquidez, estabelecidos pela Superintendência de Seguros Privados, não podendo ser alienados ou de qualquer forma gravados sem prévia autorização.

Além disso, não se pode perder de vista que é facultado às empresas de seguros privados investir em bens imóveis para garantir suas reservas técnicas, como facultado no parágrafo único do art. 85 do Decreto-lei nº 73/66.

Imagine-se que, por exemplo, exercendo essa faculdade, determinada seguradora adquira imóveis e os alugue para terceiros, com o propósito de obter rentabilidade adequada.

Nesse ponto, interpretar que os aluguéis provenientes da locação de imóveis garantidores de reservas técnicas provêm do exercício do objeto principal de uma empresa de seguros privados implicaria desfigurar a própria natureza desse ramo de negócio.

Por esse motivo, a interpretação externada na Solução de Consulta COSIT nº 83/2017 nos parece ter flexibilizado o conceito de faturamento de maneira incompatível com o sentido mais amplo outorgado pelo STF, com a nova definição de receita bruta dada pela Lei nº 12.973/2014 e com a própria opinião manifestada na Nota Técnica COSIT nº 21/2006, no sentido de que, para fins de apuração do PIS e da COFINS, “no caso de instituições regulamentadas pela Superintendência de Seguros Privados, não devem ser consideradas as receitas referentes às aplicações financeiras de recursos próprios.

Diante disso, a considerar a regra de hermenêutica jurídica segundo a qual,onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir, espera-se que o Poder Judiciário venha conferir à matéria interpretação condizente com o nosso sistema normativo, reconhecendo que as receitas financeiras geradas por ativos garantidores de reservas técnicas, por não constituem produto da atividade principal ou típica das empresas de seguro privado, não devem ser computadas nas bases de cálculo do PIS e da COFINS, mesmo após o advento da Lei nº 12.973/2014.

 * Alexandre Herlin é advogado especializado em Direito Tributário, sócio de Chediak Advogados.

[1] De seguinte ementa, em relação à COFINS:

“ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS
EMENTA: REGIME DE APURAÇÃO CUMULATIVA. SEGURADORAS. RESERVAS TÉCNICAS. RECEITAS FINANCEIRAS.
As receitas financeiras auferidas a partir dos “investimentos compulsórios” efetuados com vistas à formação das chamadas “reservas técnicas”, em observância ao imposto pelo Decreto-Lei nº 73, de 1966, compõem a base de cálculo da Cofins em regime de apuração cumulativa. A efetivação desses investimentos normativamente compulsórios e a cotidiana administração da alocação desses recursos nas diferentes aplicações admitidas em lei consistem em atividade empresarial própria, porquanto tipificada legalmente como inerente e imperiosa ao desenvolvimento das operações que compõem o objeto social de toda e qualquer sociedade seguradora. Por essa razão, a exploração de tal atividade subsume-se ao conceito de faturamento, assim entendido como a receita bruta obtida pela pessoa jurídica no exercício daquilo que representa seu objeto social.

DISPOSITIVOS LEGAIS: CRFB, arts. 195, I, e 239; LC nº 70, de 1991, arts. 2º e 10, parágrafo único; Decreto-Lei nº 73, de 1966, arts. 28, 29, 84 e 85; Lei nº 9.718, de 1998, arts. 2º e 3º, § 1º; Lei nº 10.833, de 2003, art. 10, I; Lei nº 11.941, de 2009, art. 79, XII; Decreto nº 3.000, de 1999, arts. 278 a 280; Resolução CMN nº 4.444, de 2015, arts. 1º, 2º e 4º. (…)”

[2] Dispositivo revogado, a partir 28.05.2009, pelo art. 79, inciso XII, da Lei nº 11.941/2009.

 [3] Conceito talhado a partir do voto-vista do Ministro Cezar Peluso, no julgamento do RE nº 346.084/PR.

 

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