Ultima atualização 13 de junho

Carros autônomos devem fazer com que o setor repense questões

Os carros sem motorista já estão em teste em alguns lugares do mundo. Como não poderia deixar de ser, o mercado de seguros é guiado pelo avanço

autônomos

Em 1999, o mundo do cinema conheceu um robô que tinha sentimentos e queria ser um humano; em o “Homem Bicentenário”, o robô doméstico interpretado por Robin Willians foi capaz de se apaixonar e encarar desafios como qualquer ser humano. Em 2001, foi a vez de um menino-robô – o primeiro já programado para amar – emocionar milhões de pessoas ao redor do mundo em A.I. – Inteligência Artificial.

Em 2017, um robô programado no Laboratório de Pesquisa de Neurorrobótica da universidade Beuth Hoschschule, em Berlim, tem a inteligência de uma criança de dez anos e continuará se desenvolvendo. Em 20 anos, ele será um robô adulto com a devida mentalidade dos 30 anos.

Na vida cotidiana, um homem na cidade de Pittsburg, na Pennsylvania, EUA, já pode pedir um Uber e ser atendido por um carro autônomo, que apesar de estar na fase de testes e contar com acompanhamento humano para qualquer eventualidade, anda sozinho pelas ruas, aprendendo caminhos e tornando quase dispensável assumir um volante.

A diferença é que as primeiras histórias são obras de ficção e as outras duas são parte da nova realidade. A inteligência artificial não é apenas mote para mais uma obra do cinema, mas uma área da ciência da computação que tenta recriar a inteligência humana em máquinas, conforme explica o líder de Segurança da Informação da IBM Brasil, João Paulo Lara Rocha. “No caso da IBM, o Watson é um sistema de computação cognitiva que aprende em larga escala, raciocina de acordo com propósitos e interage com os humanos de forma natural”, explica. Essa tecnologia está sendo expandida para várias áreas e hoje já pode ser encontrada nos setores de direito, varejo, educação, saúde etc, em quatro diferentes línguas além do inglês, incluindo português brasileiro. Ela se alimenta de dados e funciona de forma bastante parecida com o raciocínio humano. “É como uma criança em aprendizado”, exemplifica.

Os veículos autônomos

O uso dessa tecnologia na indústria automobilística para criação de carros sem motoristas é, sem dúvidas, um dos que mais vai impactar a vida cotidiana, especialmente nas grandes cidades como São Paulo, já que o paulistano, segundo apontamento do Ibope, realizado em setembro de 2016, passa, em média, um mês e meio por ano preso no trânsito.

Se falar de carros também é falar de seguros, o setor deverá se preparar para as implicações e oportunidades que vêm junto com essa novidade.

Em janeiro de 2016, a seguradora XL Catlin assinou uma parceria com a Oxbotica – companhia de tecnologia responsável por desenvolver carros autônomos e criadora do software Selenium – para dar suporte ao desenvolvimento de soluções robóticas. A ideia é analisar de perto o gerenciamento de riscos que se fará necessário na indústria de seguros quando esses veículos começarem a circular. “Os engenheiros de sistemas autônomos fizeram avanços que mudaram fundamentalmente a maneira como os transportes funcionam”, afirma Clive Scrivener, chairman do Conselho da Oxbotica. Segundo o especialista, um carro sem motorista pode usar dados de sensores colocados nele para entender o que está ao redor e para onde ele deverá ir em seguida, de acordo com os algoritmos programados. “Mas o verdadeiro desafio é que os carros sem motoristas estão em ambientes reais, não digitais, e o mundo real está mudando o tempo inteiro”, completa Scrivener. Nessa situação é no poder de decisão desse novo mecanismo que está a diferença entre inteligência cognitiva e o que era feito antes na robótica e é essa tecnologia que está nos carros que já rodam por algumas cidades.

Olhando para os riscos

A cada nova invenção, um novo risco. O mercado de seguros está atento, mas ainda é difícil mensurar o alcance dos desafios que essa novidade trará. “A indústria sempre trabalhou com etapas de amadurecimento e, a cada etapa, surge um conjunto novo de soluções”, acredita Ricardo Bacellar, head da área Automotiva da KPMG. Ele elenca uma série de fatores que corroboram com essa indústria e o principal deles pode ser visto em dois dados: um estudo da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) mostrou que até 20% de todos os acidentes de trânsito acontecem por causa de sonolência dos motoristas. Já um estudo do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) afirma que 90% de todos os acidentes são causados por falha humana. É fácil fazer um comparativo: os robôs que agora são capazes de aprender não se cansam, não têm sono ou indisposição, não se distraem. “O esperado é que, com essa tecnologia embarcada, os acidentes diminuam. Se esse índice de erro existe e você vai substituir grande parte dos percursos para a ação tecnológica há de se imaginar que o número de vítimas diminuirá bastante”, aponta Bacellar.

Os riscos são outros. As implicações só poderão ser totalmente avaliadas quando esses carros estiverem nas ruas, mas muitas perguntas já se abriram para os seguradores: como precificar o seguro de um veículo que está em constante evolução e aprendizado, diminuindo riscos? Quão confiável e seguro é o software que está dentro desse robô? Quem é o responsável quando se comete um erro?

As respostas ainda não chegaram e deverão mudar tão rápido quanto as tecnologias dos carros, mas mais importante do que ter todas as resoluções é conhecer a tecnologia por trás e saber fazer as perguntas certas, para gerenciar o risco. “Essa é uma das razões para a parceria com a Oxbotica: ter acesso aos testes de suas aplicações e poder aprender – em primeira mão – como o produto funciona e se comporta em diferentes situações”, afirma o líder da parceria na XL Richard Jinks. “No momento, nenhum carro está pronto para ser completamente autônomo, sem nenhum controle humano, mas isso não está longe de acontecer. As fábricas estão se movimentando e essa realidade deverá ser possível em 2021”, indica Jinks.

Outros dispositivos também poderão ser usados para mitigar riscos, conforme aponta o executivo da IBM. Ele afirma que a companhia tem usado essa inteligência cognitiva para outros fins, como monitorar de maneira mais precisa o clima. “Se aplicarmos essas características de previsão para a indústria de seguros é possível que um carro tenha à disposição informações, por meio de um dispositivo, de onde está chovendo e quais os riscos de acidentes e alagamentos. Com essa previsibilidade, pode-se reduzir a exposição ao risco”, elucida Rocha.

Eles aprenderão as regras de trânsito e são capazes de compreender também as regras sociais para poder interagir com outros carros. Por se renovarem constantemente, a obsolescência, tão comum nas tecnologias de hoje, não deverá ser um problema. Pelo contrário, poderá ajudar essa solução a ficar mais acessível e ser expandida para utilização em trens, ônibus e outros veículos coletivos. Inclusive, essa é a primeira aposta de alguns especialistas. “Nós realmente prevemos essa tecnologia começando a ser parte do cotidiano das pessoas no futuro. Em outubro de 2016 um carro autônomo foi testado nas ruas britânicas pela primeira vez. A previsão é que 10 milhões deles estejam nas ruas em 2020. Os primeiros a adotar esse modelo não deverão ser os proprietários individuais, mas aqueles que buscam por novas formas de sistema de transporte, que já estão sendo estudados por grandes cidades ao redor do mundo”, explica o chairman da Oxbotica, Scrivener.

Com os carros de serviços usando essas tecnologias surgem ainda outras questões que refletem na indústria de seguros. No caso dos carros compartilhados, quem responde pelo erro? Quem é o dono do veículo? De quem é a responsabilidade que deve ser acionado na hora do sinistro? Além disso, Bacellar lembra que esses carros, por rodarem mais, necessitam de mais manutenção o que pode, segundo ele, gerar uma necessidade exagerada de peças de manutenção e a diferença para as seguradoras, que não lidarão tanto com indivíduos, mas com CNPJ dos frotistas, que serão clientes mais complexos.

No dia 24 de março de 2017, um carro autônomo que está sendo utilizado para testes pelo Uber colidiu com outro veículo que falhou ao não dar passagem, esse segundo guiado por um motorista. Mesmo sem grandes danos, especialmente físicos, a companhia informou que os testes estão temporariamente suspensos até que se entenda o que aconteceu. O líder de segurança da IBM diz que não se sabe ao certo o que houve especificamente neste caso, mas acredita que tenha sido falha humana, algo impossível de prever. “O ideal é que em uma fase de testes, ambos os veículos estejam conectados para que conversem. Conseguir prever a ação humana é uma questão de tentativa e erro até aprimorarmos as tecnologias existentes. Conectando todos os dispositivos [carros, semáforos, câmeras de controle de trânsito etc] teríamos uma condição mais favorável de prevenção de acidentes, mas isso não é nada trivial ou barato”, comenta.

Dentro dos veículos a tecnologia promete segurança e conforto. Fora deles surge uma ameaça: os ataques cibernéticos. Os desafios nesse sentido são diversos, conforme cita João Paulo Lara Rocha, da IBM. “Já vimos em anos anteriores casos de pesquisadores que conseguem controlar veículos remotamente, desabilitar freios e até acessar os microfones do carro”, conta. A conexão com o meio digital torna o indivíduo um alvo em potencial para essas ações e é nesse momento que o virtual e o real colidem.

Em 2013, o caso Target, uma companhia varejista americana, se tornou famoso por causa de um ataque cibernético que invadiu 40 milhões de contas com dados financeiros importantes dos clientes. Como isso ocorreu? Por causa de um ciberataque direcionado que começou na empresa que fornecia ar-condicionado à Target. “Hoje em dia não adianta uma seguradora ou uma montadora assegurarem as informações de seus clientes se todos os fornecedores e outras empresas que têm acesso aos dados podem colocá- -los em risco por negligência ou por não estarem em conformidade com as regulamentações de proteção dos mesmos”, alerta Rocha.

Os dados do condutor somados com a sua rota usual e mais a vulnerabilidade do carro conectado podem ser combinações perigosas. Isso abre uma nova pergunta ao mercado: “Como as companhias que detém e que também compartilham entre si todos esses dados vão proteger a privacidade de seus clientes com todo esse cenário?” A resposta deverá ser: mais trabalho para a área de criação de produtos, especialmente os de responsabilidade e cibernéticos.

A missão é de paz

Máquinas que ficariam tão inteligentes que se rebelariam contra os humanos não parecem ser uma preocupação do mercado e nem deveriam ser para a população, mesmo para as pessoas que ainda acham interagir com robôs algo peculiar demais. Mas essa relação entre homem e máquina não é de hoje. Muitos trabalhadores, ao longo da história, foram sendo substituídos por robôs, especialmente em trabalhos mecânicos e perigosos. E na medida em que isso foi ficando cada vez mais constante, surgiram dois tipos de visões sobre o que acontecerá com os humanos no mercado de trabalho. Alguns analistas acreditam num futuro distópico, no qual apenas uma pequena porcentagem da força de trabalho terá emprego fixo e será indispensável. Outros apontam que alguns cargos poderão ser tomados por robôs, mas isso ajudará a criar novas oportunidades: “Há 40 anos, ninguém trabalhava com TI ou na indústria de celulares e veja hoje a diferença. As coisas mudam”, aponta Clive Scrivener.

Esses temores sobre o futuro levam a população a encarar suas questões culturais de frente. Muitos podem falar do futebol, mas os brasileiros têm uma relação extremamente passional com seus carros e com o ato de dirigir. É algo cultural que marca personalidades e converte em status o que nasceu para ser uma opção de mobilidade. Então, o brasileiro vai aceitar a extinção do motorista?

“Aqui, a tendência à adoção vai ser um pouco mais lenta, mas não por causa de atraso na tecnologia e sim por essa paixão. Só que essa novidade é um caminho sem volta e os benefícios de poder aproveitar o tempo que gastaria no trânsito com outras tarefas, usando melhor o tempo dentro do veículo será um apelo imbatível”, aposta Bacellar. Jinks, da XL tem uma visão parecida e lembra que os carros sem motorista são uma opção, quem dirige por prazer não precisará aposentar o hobby.

O acesso também não deverá ser algo muito difícil, já que a evolução da tecnologia barateia os custos de sua utilização. Quanto mais avanços sobre uma novidade, mas acessível ela fica, como pode ser observado na indústria de smartphones. Os menores riscos diminuirão o preço do seguro e essa soma pode beneficiar muita gente, como idosos e pessoas com deficiência, que alcançarão ainda mais mobilidade graças a essa invenção, mas que deverão ser analisados pelos seguros de acordo com seus próprios riscos e condições. Bacellar afirma que o carro não terá um preço impeditivo e toma como base a montadora GM que, segundo ele, “está anunciando um veículo tecnológico para início de 2018 por cerca de US$ 30 mil”. Esse pode não ser um valor amplamente acessível hoje, mas a tendência de diminuição deve se aproximar cada vez mais dos valores populares praticados pelo mercado. Se hoje o subsídio para compra de carros adaptados existe, isso não deverá ser diferente quando o tipo de veículo mudar. “O foco da tecnologia sempre deve ter como preocupação o serviço ao ser humano e a democratização de seu uso”, opina Rocha. “Nós vemos nosso papel, como uma companhia de seguro, de ajudar o motorista com a adoção de soluções como essa por meio de nossas capacidades de gerenciamento de riscos. Queremos desempenhar nosso papel permitindo a adoção dessa tecnologia, para beneficiar toda a sociedade”, afirma Jinks.

O setor de seguros precisará ser um ator que investirá forte nas novas tecnologias ou, apesar de essencial, será reformulado por empresas que venham mais alinhadas com o que as evoluções tecnológicas esperam, especialmente no que diz respeito à diminuição de burocracias. Empresas que atuam na confecção desses carros sabem quanto esse nicho é importante e algumas já pensam em lançar os seus modelos com seguro incluso.

Amanda Cruz
Revista Apólice

* Matéria originalmente publicada na edição 220 (abril/2017)

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