Ultima atualização 08 de dezembro

Mais gerenciamento de risco, por favor!

Gustavo Cunha Mello, especialista em gerenciamento de riscos, fala sobre os problemas que podem ocorrer quando este trabalho é deixado de lado

A Revista Apólice conversou com Gustavo Cunha Mello, corretor de seguros e especialista em gerenciamento de riscos. O executivo falou sobre os problemas que podem ocorrer quando este trabalho é deixado de lado. Confira:

gerenciamento
Gustavo Cunha Mello
Nas grandes obras no Brasil, falta gerenciamento de risco?

“Falta gerenciamento de risco no Brasil como um todo. As pessoas somente se lembram do risco depois de tomarem grandes prejuízos e é um problema cultural ainda.”

 

E as grandes obras?

“Mesmo supondo que não haja corrupção, o modelo de licitação, pela Lei 8.666, é melhor do que no passado, mas ainda não é o ideal. O órgão público cria um edital de licitação com um projeto. Muitas vezes, ele é quase arquitetônico. A preocupação é com a beleza e funcionalidade do equipamento, mas não está preocupado com detalhes da obra. Quando licitam isso, não exigem um padrão mínimo de qualidade. O projeto é mais robusto quando é pensado primeiro em sua estrutura, com uma licitação, e depois com outra licitação para a obra. Quando cai na mão do engenheiro que ganhou a licitação, ele tem que gerir com poucos recursos um projeto.”

 

Quais são os exemplos?

“O Maracanã foi reformado para a Copa e já apresenta diversos problemas em sua estrutura, como banheiros vazando, paredes com rachaduras, escadas problemáticas. Outro exemplo seria o Engenhão, que foi construído para os Jogos Panamericanos, na gestão do prefeito Cesar Maia. O maior estádio dos Jogos Panamericanos do Rio já foi fechado porque a sua torre e a cobertura poderiam desabar. Estes são exemplos de obras públicas realizadas sem a qualidade devida. Uma das razões é o modelo de licitação que é não é adequado, pois licita projeto e construção conjuntamente.”

 

Neste cenário, como entra o mercado de seguros?

“O mercado de seguros tem a visão de outra ponta do triângulo, pois são players diferentes: a seguradora, a empreiteira e o Poder Público. Este último deveria estar preocupado com a qualidade desta obra e o seu gerenciamento de risco. Há muitas obras que acabam matando pessoas. A obra do BRT (Trânsito Rápido por Ônibus), no Rio, simplesmente tirou uma faixa de circulação de carros e pintou o chão. Ninguém pensou que se está colocando um ônibus de alta velocidade, com risco de atropelar as pessoas. Não há preocupação em criar barreiras para que as pessoas não circulem próximas à pista. No Rio de Janeiro há, pelo menos, um acidente grave, com vítima, por mês. Foi uma construção não pensada. Na Avenida Rio Branco, também no Rio, está sendo construído o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), onde há grande fluxo de pessoas, sem nenhuma barreira, no fluxo e contra-fluxo. Não foi pensado no gerenciamento de risco para a população, que está acostumada com mão única de veículos.”

 

E sob a ótica da seguradora?

“A seguradora faz o gerenciamento de risco de sua carteira de seguro, pois ela está pensando no seu interesse, como empresa. Ela tem que prestar o serviço do seguro, dar cobertura aos sinistros que acontecerem, mas ela tem o objetivo de manter carteiras de seguro saudáveis, até para manter o mutualismo no seguro.

Neste gerenciamento de risco ela recebe o contrato de um projeto de engenharia para construir um estádio, por exemplo, e basicamente vai ver se há capacidade técnica e financeira para construir. Quem manda no seguro é o cronograma financeiro e o projeto. Ela vende a cobertura de erro de projeto para aquilo que está no papel. Ela não interfere na relação Poder Público/Empreiteira e apenas atende ao que foi contratado.

Se houve erro de projeto no caso da ciclovia Tim Maia, de ausência de projeção para o suporte de ondas fortes, para a seguradora não é erro de projeto, se isso não foi pedido.”

 

Só seria erro de projeto se estivesse no papel e a empreiteira não tivesse cumprido o projeto?

“Exatamente. Quando eu considero um projeto, é de acordo com aquilo que foi contratado. Se teve erros de cálculo de engenharia, erros de execução (cobertura básica de riscos de engenharia) e erros de projeto seria considerado que o sujeito não calculou direito as vigas, a amarração etc. Em parte, no final da história, nesta perícia pode ser que se encontre erro de todo mundo, inclusive da empresa que construiu (se a plataforma não fosse de concreto, mas de metal vazado talvez não tivesse sido levantada).”

 

Os gerentes de risco podem ser considerados uma espécie em extinção?

“Existem pouquíssimos destes profissionais, embora muita gente erradamente se julgue gerente de risco. Para isto, é preciso formação acadêmica própria e especialização. Outra questão é que os corretores podem contribuir, mas jamais assinar relatórios de gerenciamento de risco, e a mesma coisa para as seguradoras, pois poucos vistoriadores são gerentes de risco. Dizer que faz gerenciamento de risco quando você basicamente instala um rastreador em um caminhão, sem de fato ter a técnica, é perigoso.

As pessoas talvez não percebam que o gerenciamento de risco é uma metodologia científica que tem uma série de ferramentas matemáticas para levar a uma tomada de decisão e para apontar os riscos. É um processo. Primeiro identifico os riscos, avalio e analiso a probabilidade deles acontecerem e coloco nesta análise a avaliação do prejuízo que eles possam causar, a severidade deles. Frequência e severidade, utilizando a estatística. A partir disso se aponta o tratamento, entre criar provisões técnicas, não correr o risco ou abdicar do risco, ou ainda transferir o risco para a seguradora. Quando o sujeito trabalha com o seguro, ele cuida apenas do tratamento, que é a transferência do risco, mais simples do que todo ferramental matemático e arcabouço estatístico do processo de gerenciamento de risco.”

 

Como o gerenciamento de risco pode ajudar as seguradoras?

“Da mesma forma como em mercados maduros. Se você tem uma empresa com um risco declinável (colchão, plástico, supermercado, madeira etc) com um bom processo de gerenciamento de risco, você consegue definir o seu risco, sabendo como ele é e funciona. A forma de lidar com o risco do empresário é diferente. Ele deixaria de ser um risco declinável para ser um altamente segurável, com qualidade de informação. Infelizmente, não temos mão-de-obra suficiente no Brasil para avaliar este tipo de coisa.”

 

Há uma série de riscos declináveis que ninguém quer, mas o mercado não trabalha para torná-los aceitáveis.

“Este é o meu trabalho diário. É preciso encontrar um empresário que queira pagar este serviço, que são poucos, porque não é barato, tem que encontrar um subscritor de risco e uma seguradora com vivência empresarial. A maioria das seguradoras faz apenas o básico por falta de mão-de-obra. Falta gente preparada para tomar as decisões certas. Por medo de tomar decisões erradas, as pessoas preferem não aceitar o risco. Este é um retrato de hoje, mas no longo prazo acredito que vá melhorar e a gente vai se aproximar dos mercados maduros, onde existem pessoas com visão de gerenciamento de risco. Quando se tem um bom relatório de análise de risco de um segurado, é melhor do que outros riscos que eu aceito de olhos fechados na massa.”

 

Você acha que pode vir uma nova geração de gerentes de riscos mais bem formados, usando novas tecnologias para executar o trabalho?

“Eu não vejo ninguém se inscrever nas faculdades de engenharia com foco no gerenciamento de risco. São pouquíssimos profissionais. Este é um desafio que nós temos, de convencer os mais jovens e tentar formar pessoas mais gabaritadas. O movimento que enxergamos hoje é de seguradoras deixando os grandes riscos e focando nos produtos de varejo. Estes não são demandantes de gerenciamento de riscos. A preocupação é outra.”

 

A condição da economia tem reflexos na contratação dos seguros?

“A condição econômica reflete na preocupação de fazer seguros melhores. Aquele sujeito que teve um sinistro, perdeu seu negócio, ele se preocupa em fazer um bom gerenciamento de risco. O melhor segurado é aquele que acabou de pegar fogo. Ele está com medo e vai investir em soluções que tornem o negócio dele melhor.”

 

Esta situação econômica pode motivar as fraudes ou menos cuidados com os riscos?

“Não vejo a sinistralidade aumentar, mas percebemos a imprensa mais atenta e a população mais preocupada, porque ninguém quer um sinistro perto de casa. Alguns sinistros foram muito grandes, como o do Porto de Santos e chamam muito a atenção, como a Samarco. Não acredito muito em fraudes porque o seguro jamais vai dar lucro para o sujeito. O empresário sempre perde dinheiro, mesmo tendo seguro, porque existe depreciação, o estoque é pago pelo valor de custo, há muita burocracia para receber, demora para reconstruir a planta e voltar ao mercado. Um exemplo, a CSN teve em 2006 a explosão do autoforno número 3, com dano material de R$ 70 milhões. Ela reconstruiu o autoforno em seis meses. Só a obra e o tempo parado fez ela perder 40% da receita, que chegou a ter mais de R$ 400 milhões de prejuízo. O segurado sempre perde dinheiro com o sinistro. Cabe ao mercado mostrar isso a ele, porque enxergo pouca cultura do brasileiro em relação ao gerenciamento de risco. O dono da empresa está preocupado com as vendas, com a situação do mercado, com o marketing, mas esquece de olhar o para raio, o quadro de luz, a parte elétrica, a manutenção dos hidrantes e mangueiras de incêndio. Não generalizando, mas enxergo mais falta de cuidado com o que não faz parte do core business da empresa, mas não é fraude.

No automóvel, temos um perfil que se preocupa se o sujeito para em garagens, tem multa etc. Devíamos ter a mesma coisa no seguro empresarial, porque isso colaboraria para cuidar do seu gerenciamento de risco e ser premiado por isso.”

 

Em um sinistro de grandes proporções, com grande repercussão, aumenta de alguma forma a preocupação das pessoas e consequente procura pela proteção dos riscos?

“A imprensa é a maior contribuinte para a venda de seguro no Brasil. Quando acidentes como o da Samarco ou Porto de Santos acontecem, faz com que as pessoas comecem a se preocupar nos mais diversos segmentos do mercado. Eu sinto isso no meu dia-a-dia, porque sou mais consultado. As pessoas se lembram dos riscos, têm medo de que algo aconteça. De acordo com o antropólogo Clemente Nóbrega, a cabeça do ser humano só presta atenção em três coisas: sexo, comida e medo. Isso porque o nosso DNA, desde o tempo das cavernas, pensa nestes três itens para a sua sobrevivência. Quando recebemos 30 mil propagandas em média por dia, nosso cérebro filtra esta informação. Quando é alguma coisa que desperta o medo, ela chama atenção. O medo faz com que as pessoas tomem cuidados.”

 

Kelly Lubiato
Revista Apólice

* entrevista originalmente publicada na edição 210 (maio/2016)

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