Ultima atualização 07 de dezembro

Fraudes detectadas no mercado de seguros

fraude

Emprestar a carteirinha do seguro saúde para um conhecido sem plano ou inverter a responsabilidade em uma colisão de automóvel envolvendo terceiros. A exemplo dos casos mais graves, como simular a morte
de alguém para receber a indenização do seguro de vida, todos eles se caracterizam como fraude. “Há várias modalidades de fraude bastante conhecidas no mercado. Algumas pessoas praticam essas ações e, às vezes, por falta de conhecimento, não sabem que estão praticando um crime”, lembra o diretor de Operações da Yasuda Marítima, Celso Ricardo Mendes.

As fraudes comprovadas no segmento (sem considerar previdência, saúde e capitalização) somaram R$ 448 milhões em 2014 – ou seja, 1,7% em relação aos sinistros avisados dos Seguros Gerais –, de acordo com a CNseg. No ano anterior, as práticas criminosas totalizaram R$ 350 milhões (1,5%) e em 2012, R$ 340 milhões (1,2%). Mas os números podem ser ainda mais altos, considerando que neste ramo a fraude é difícil de ser identificada e, principalmente, de ser comprovada. “Até que se prove o contrário, o golpista continua sendo visto como um bom consumidor”, diz Ana Rita Petraroli, advogada e presidente dos Grupos Nacionais da Associação Internacional de Direito de Seguro (AIDA) e do Comité Ibero Latino-Americano de Direito dos Seguros (CILA) de combate à fraude.

Na opinião do gerente de Prevenção e Combate à Fraude da CNseg, Ricardo Tavares, “a fraude em seguros pode geralmente ser um crime sem sangue, mas não é um crime sem vítimas”, pois a ação enfraquece e desequilibra todo o sistema securitário. Propostas e sinistros fraudulentos exaurem os recursos pagos por clientes honestos, que são destinados a cobrir sinistros verdadeiros. Assim, o custo é suportado por todos os segurados. “A incidência de fraude tem impacto sobre as seguradoras e os clientes, afetando diretamente a sociedade como um todo, já que a fraude também pode ser utilizada para financiar outras atividades criminosas e prejudica a penetração de novos clientes”, diz ele.

O que motiva os golpistas

Há dois tipos de fraudadores: os profissionais, que fazem parte de quadrilhas especializadas que conhecem o mercado segurador e as condições gerais de um seguro e agem de maneira premeditada para obter indenização ilícita ou superior ao prejuízo; e os de ocasião, que tendem a agir sozinhos, aproveitando uma oportunidade. No segundo caso, Ana atenta para um equívoco cultural. “O segurado não se vê parte da estrutura do seguro e imagina que, ao fraudar o produto, não vai atingir ninguém quando, na verdade, o valor do prêmio é ligado de forma umbilical ao risco. Ou seja, ele próprio e todos os outros segurados terão que arcar com essa conta, e não a seguradora”, lembra a advogada.

A demora na análise dos inquéritos também facilita a realização das artimanhas. O fraudador tem a certeza de que, ao ser investigado, não sofrerá as consequências por causa da impunidade.

Tecnologias como prevenção

Para coibir as ações criminosas, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) estabeleceu, por meio da Circular 344/07, que as seguradoras implementassem controles internos específicos para a prevenção de golpes. Atendendo ao pedido, elas desenvolveram metodologias, processos e sistemas internos para tratar e identificar inconsistências. Quase todas elas se valem de uma ferramenta em comum: o Disque Fraude, canal para que qualquer pessoa possa realizar uma denúncia anônima. As situações relatadas são avaliadas para que se analise a possibilidade de fraude e, em caso positivo, as instâncias e investigadores são acionados.

Mas quando o assunto é tecnologia, as ferramentas se diversificam. A Zurich, por exemplo, aposta em sistemas que efetuam cruzamentos entre as bases de dados internas da empresa e bases de dados públicos. Este cruzamento gera alertas para possíveis golpes, posteriormente analisados por uma equipe especializada. Dependendo da tentativa de fraude, profissionais de campo podem ser acionados para levantar informações mais detalhadas. “Neste processo de apuração é comum buscarmos laudos técnicos, visitas e depoimentos de testemunhas”, explica o superintendente de sinistros da seguradora, Daniel Cunha. Além disso, a empresa investiu recentemente em uma ferramenta para detecção de possíveis fraudes.

Por sua vez, a Tokio Marine aposta em um modelo estatístico que auxilia os analistas a identificar aspectos relevantes na detecção de fraude em cada sinistro. Trata-se de um sistema com regras criadas após estudo de casos concretos, que são constantemente aperfeiçoadas e permitem que os novos casos retroalimentam o sistema. “A ideia é evitar que alguma informação importante passe despercebida pelos analistas devido à dinâmica do dia a dia. Com a automação, conseguimos dobrar a taxa de sucesso na detecção de fraude”, explica Alexandre Vieira, diretor de sinistros da companhia.

Já a Liberty Seguros utiliza três ferramentas distintas. Segundo Dennis Milan, diretor de Operações e Sinistros da companhia, quando essas ferramentas são usadas conjuntamente, melhoram a performance da área de prevenção e combate a fraudes. A primeira são os modelos preditivos, usados no momento da comunicação do sinistro. De acordo com as informações passadas pelo segurado, o modelo preditivo analisa um conjunto de dados e prevê uma pontuação que informa a probabilidade deste sinistro envolver ou não fraude. Dependendo do valor da pontuação, o processo do sinistro é direcionado automaticamente para a área de investigação e sindicância.

A segunda são as entrevistas cognitivas, usadas em processos de sinistros enviados para a área de investigação. Por meio de uma ligação telefônica, o analista investigador utiliza um software com perguntas pré-configuradas para analisar o estresse das respostas e pontua a possibilidade do entrevistado estar mentindo ou não. “A ferramenta por si só não valida ou invalida uma fraude, mas é utilizada como ferramenta adicional no processo para decisão da seguradora em enviar ou não uma sindicância a campo”, explica Milan.

Outra aposta da seguradora são os Blacklists, usados quando a seguradora identifica uma fraude e registra os dados de segurados como veículos, telefones e e-mails para consulta dos processos de aceitação de propostas futuras, a fim de bloquear a aceitação de novas propostas que contenham qualquer informação que foram previamente utilizadas em fraudes passadas.

As mídias sociais também entram na lista e são utilizadas para verificar graus de parentesco ou de amizade entre participantes (segurados e terceiros) de um mesmo seguro e, com isso, auxiliar na obtenção de provas de fraudes, se isto ocorrer.

Palavra dos especialistas

Normalmente, as empresas de seguros executam processos manuais de validação de informações na entrada do aviso de sinistro, pautados na experiência do analista para execução de julgamento no direcionamento de casos para a investigação ou sindicância. É o que afirma Miguel Buenos, gerente do segmento de seguros da Serasa Experian. Segundo o executivo, algumas companhias trabalham internamente e outras preferem terceirizar os processos com empresas de sindicância e, durante este processo, acessam ferramentas de pesquisa em web ou bureaus de dados/informação.

Quando o foco se dá em informações veiculares, especificamente, as tecnologias de prevenção às fraudes mais utilizadas pelo mercado são a automatização de processos, que contam com filtros que evitam que veículos irregulares ou suspeitos adentrem a carteira das companhias. “As empresas que se utilizam destes filtros mantém sob controle o risco de fraudes”, afirma o diretor comercial da Nortix, Artur Giansante. Porém, é preciso prestar atenção no momento de contratar este tipo de ferramenta: buscar soluções com base unicamente no preço, sem histórico de origem e sem compromisso com o nível do serviço podem comprometer a qualidade do serviço.

Se o mercado segurador evoluiu quando o assunto é prevenção à fraude e, principalmente, percebeu que as tratativas em torno do tema não podem ficar somente em discussões de fóruns ou no papel, ao mesmo tempo ainda há um espaço importante a ser preenchido neste cenário. Para Buenos, é necessário, por exemplo, definir o conceito de fraude em vários níveis de gravidade para que possam ser adotadas medidas preventivas adequadas. Com isso, o mercado poderá buscar ferramentas mais apropriadas, tendo como ponto de partida a estrutura de dados (organização do banco de dados interno para que se possa gerar inteligência preventiva) e ser aplicada na entrada (tempo de cotação/aceitação).

Também necessita de atenção o fato de que dificilmente as companhias de seguros trabalham inteligência analítica de forma ampla, com automação e compartilhamento de informações – questão ainda tratada com timidez pelo mercado segurador brasileiro. Em mercados mais maduros, esta é uma prática com resultado notório, pautado em medidas preventivas adotadas por meio do compartilhamento de informações entre as companhias no mercado e aplicadas com automação aliada à inteligência analítica na entrada. “Por aqui, ainda há uma leitura destas informações como fator competitivo e este pode ser um grande equívoco quando falarmos de proteção de mercado. Tanto no Brasil quanto em outros mercados já existem iniciativas de compartilhamento de informação para prevenção à fraude em diferentes segmentos da economia, além do próprio mercado segurador, como acontece no Reino Unido”, reflete Bueno.

Para o diretor de sinistros da AIG Brasil, Augusto Assis, as equipes dedicadas à investigação têm se tornado
cada vez mais importantes no processo para garantir o correto pagamento de sinistro. Da mesma forma, a tecnologia tem tido um papel crucial em capacitar o combate à fraude, detectando mais casos e agilizando o processo de liquidação e investigação. Segundo ele, o mercado segurador, aliado às instituições legais, conta com uma rígida e elaborada regulamentação no combate às fraudes. “Observamos que o combate às fraudes no Brasil é um processo em evolução, assim como todo o mercado segurador. As próprias instituições, federações e sindicatos do setor trabalham interligados para atingir um exercício investigativo bem estruturado”, garante.

Golpes no seguro social

As fraudes acontecem também no DPVAT, seguro social que indeniza vítimas de acidentes de trânsito em caso de morte, invalidez permanente e despesas médicas. “Por ser um produto de assistência, as fraudes não deveriam existir nestes casos. Mas é onde mais tem”, lembra Ana Rita Petraroli. Apenas em 2015, foram encaminhadas em todo o Brasil 4.314 mil notícias de crimes para as Polícias Civil e Federal, além do Ministério Público.

No DPVAT, estão entre os golpes mais comuns pessoas que ficam na porta de hospitais, Institutos Médicos Legais (IMLs), funerárias e delegacias em busca de vítimas de trânsito, oferecendo facilidades para conseguir o seguro (prática que envolve a falsificação de documentos atestando que pessoas vivas estão mortas); a adulteração e falsificação de registros de ocorrência policial, gerando solicitações de indenizações inexistentes; e a falsificação completa de processos de sinistro, inclusive de acidentes de trânsito inexistentes.

Além das campanhas de conscientização veiculadas na imprensa, a seguradora conta com um departamento de combate à fraude que detecta, por meio de ferramentas sistêmicas específicas, pedidos de indenização suspeitos. “Quando isso acontece, o caso é investigado. Confirmada a fraude, a indenização não é paga e a seguradora encaminha uma notícia crime às autoridades competentes, para investigação e punição dos responsáveis”, diz Ricardo Xavier, diretor-presidente da Seguradora Líder-DPVAT.

As ações realizadas pelo segmento

Desde 2002, o mercado segurador vem se reestruturando para melhorar as ações de prevenção e combate à fraude. O Plano Integrado de Prevenção e Combate à Fraude em Seguros, elaborado na década passada pela CNseg, se sustenta em três pilares principais: Ações de Gestão Integrada, Ações Institucionais e Ações Específicas de prevenção e combate à fraude em seguros. Confira as ações implementadas:

  • Disque-denúncia;
  • Treinamentos sobre como prevenir e combater a fraude em seguros para corretoras e seguradoras;
  • Coletânea dos principais indícios de irregularidades e recomendações para a prevenção à fraude;
  • Elaboração e implementação do Código de Ética do Mercado Segurador;
  • Combate aos seguros piratas (investigação e denúncia ao órgão regulador de seguros privados);
  • Implantação do Sistema de Quantificação da Fraude (SQF);
  • Realização de pesquisas qualitativas para conhecer a tolerância à fraude e a propensão a fraudar da população brasileira. O estudo é realizado a cada seis anos e a próxima edição está prevista para 2016;
  • Implantação do Projeto Fronteiras;
  • Aquisição de sistema de cruzamento de dados.

 

Livia Sousa
Revista Apólice

Essa matéria foi originalmente veiculada na edição 207 – fevereiro/2016

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